Tuesday, February 15, 2011

RUSSIA - Século XIX


Depois de jantar, Rosália Theikowski deitou-se. A noite clara de lua cheia, sem nuvens, gelada como sempre nessa época de inverno , <> e o incômodo das dores da gravidez precoce, eram um convite irrecusável à jovem mulher e aos seus pais, à companhia das mantas de pêlos e dos travesseiros de pena que lhes protegiam do intenso frio, para mais uma noite de merecido descanso. Os poucos raios do tímido sol do alvorecer daquele dia 16 de janeiro de 1888, no pequeno povoado de Tejkovo, Província de Ivanovo, Russia, que penetravam no acanhado quarto de solteira que Rosália dormia desde a tenra puberdade, foram testemunhas do nascimento de um choroso menino: ANTON !

Friday, July 31, 2009

SÉCULO 19 - SANTO ANTONIO DE LISBOA

Os portugueses

A SESTA

Conforme o costume dos moradores da FREGUESIA DE SANTO ANTONIO, depois do almoço JUSTIN adormeceu. No meio da tarde acordou-se assustado. Olhou o céu: nuvens cinzas!
A sesta havia sido cheia de pesadelos:
-- ANTONIA morreu! ANTONIA MARIA morreu! , gritavam desesperados os parentes que visitavam a doente. Já não havia mais nada a fazer.
Eis o diagnóstico da moléstia emitido por John M., o médico da Freguesia , ex-marinheiro mercante com conhecimentos empíricos de medicina e ferrenho adepto do darwinismo:
"Carência de apego, causada pela ausência evidente de excreção de oxitocina no cérebro do marido.Pêsames"
" Oh! Santo Deus!," rezaram todos; mas a mulher pereceu. Guardada à noite, foi sepultada no outro dia.
Epitáfio:"Aqui jaz Antonia Maria; na vida viveu sem dote; morreu sem sorte."
Acusado de mau caráter e de tramar o fim do romance, o ingênuo JUSTIN foi sumariamente julgado:
" Suma daqui; procure outra freguesia."
Atarantado, o recém viúvo busca uma conciliação entre seus desejos e a vontade intolerante da família enlutada. Sem êxito,

Pensa, cisma, ???!
Imagina:: hoje, a morte!;
Simula:: amanhã, o cadáver;
Planeja::...Com sorte, vou ao Norte
!

Se retira.
Viaja...dias e dias, viaja ...à vela , de madrugada faz a travessia entre a ilha nativa e o continente; viaja... à cavalo Justin domina os atalhos do caminho costeiro que leva à Colônia; dali, rema à ilha sonhada e desembarca na boca do rio que desemboca no Rocio; agora à pé, vez por outra à vau, cruza a mata, mangues e riachos, vencendo a distancia final do seu destino!
No descanso de uma noite, aconselhou-se em TOBIAS:"

Sobretudo, escolhe para ti uma mulher de tua tribo; não tomes uma mulher estranha à tua raça, porque somos filhos dos profetas: Noé, Abraão, Isaac e Jacó, que foram os nossos pais desde sempre. Considere bem, meu filho, como todos eles tomaram mulheres de sua família, recebendo com isso uma benção na pessoa de seus filhos, e sua posteridade herdou a Terra Prometida"

Ahá!- deu-lhe um clique.

SÃO FRANCISCO XAVIER

AS FESTAS

Final de tarde,
"-- Olha quem chegou, EDUWIGES! – bradou a mãe à filha, a bela morena moça que, à eira, bordava seu enxoval.
"--Tino! – gritou Eduwiges Domitille, à aproximação do primo que há muito não via.
Paixão à primeira vista. Abraços e beijos!
A noite foi longa. Dormiram pouco. Justin esgueirou-se!Às amigas, durante os dias seguintes, Domitille vangloriava-se:
"--Além de bonito e simpático, é inteligente e ..."
- - E o quê??
" É bem humorado!.
"Risos, hahahaha, desconfiados.
Conquista feita,


"Aos dez dias do mês de setembro de mil oitocentos e setenta, nesta FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA da Cidade do Rio de São Francisco do Sul, as quatro horas da tarde, feitas as denunciações canônicas na forma do sagrado Concilio de Trento, sem se descobrir impedimento algum, alem de dispensado por sua excelência Reverendíssima por posição de dois de Agosto deste anno, no impedimento de consangüinidade em 2º grau da linha transversal igual em que se acharão ligados, em minha presença e sendo presentes como testemunhas Manoel Leal de Souza e Manoel D’Oliveira Soares, abaixo assignadas, se casarão in facie ecoleri por palavras de presente e mutuo consentimento na forma dos Sagrados Cânones e Lei Civil a respeito, JUSTINO SOARES DE OLIVEIRA com EDUWIGES DOMITILLE DO ROSÁRIO. Ele viuvo que ficou por falecimento de Antonia

Maria da Conceição, nascido e batizado na FREGUESIA DE SANTO ANTONIO, desta Província, e ela filha legitima de JOSÉ JOAQUIM DE SOUZA e de sua mulher ANTONIA THEREZA DE JESUS, nascida e baptizada nesta Freguesia, donde os contrahentes são parochianos. Recebão os contrahentes as bênçãos matrimoniais do que para constar fiz este termo que in fide parochi affirmo.
O Vigário ANTONIO FRANCISCO NOBREGA"
Festa!
Quase um ano depois, para alegria dos pais e felicidade dos avós, nasce no dia18 de agosto de 1871, a primogênita MARIA CLARA,A pedido do avô materno, JOSÉ JOAQUIM DE SOUZA, descendente dos primeiros imigrantes portugueses que povoaram a Villa, a pequena Maria recebe os Santos Óleos no exato dia do seu natalício de 50 anos::
Aos vinte e oito de setembro de mil oito Centos e setenta
E um nesta Matriz da Freguesia de Nossa Senhora da Graça da Cidade Rio de São Francisco do Sul , baptizei e pus os Santos Óleos a Maria, com quarenta e dois dias d’idade, filha legítima de Justino Soares d’Oliveira e de sua mulher Heduwiges Domitilla do Rosário, neta paterna de João Soares d’Oliveira e de Maria Lusia Soares e materna de José Joaquim de Souza e de Antonia Thereza de Jesus. Forão padrinhos José Jeronimo de Souza e sua irmã Maria Constância de Santa Rita, todos desta Freguesia, do que faço este termo que in fide parochi affirmo.
O Vigário Antonio Francisco Nóbrega
Os Prussianos
NIEDAMOW - Prussia Ocidental
A Origem
Início de abril, 1873, Alemanha.
Há alguns dias a pequena praça nos arredores do porto, é palco de imensas algazarras infantis. Crianças, muitas crianças, brincam à exaustão desde a chegada a Hamburgo. Insones, festejam a proximidade da hora do embarque , com seu pais, no TERPSCHORE, navio que os levará ao novo mundo, o mundo da abundância !, da riqueza iminente, das liberdades e da tolerância, à beira do anarquismo puro, sem patrões nem empregados, na definição ilusória da propaganda utilizada pelos vendedores do movimento migratório às centenas de famílias vindas da Prussia Ocidental e da Pomerania. Cansados das guerras e extenuados pela falácia elitista dos políticos mandantes, estes corajosos prussianos e pomeranos acabam de abandonar sua terra natal para se lançarem, numa aventura marítima de muitas semanas, talvez meses, à América, enfim, à Colônia Dona Francisca (1), no sul do território do Brasil.
(1)Problemas políticos surgidos em França, em 1848, forçaram o exílio da Família Real da Casa de Orleans, para a Inglaterra, fazendo com que D. Francisco Fernando e Da. Francisca Carolina lá se refugiassem. É então que, após haver escolhido, demarcado e medido, através do seu procurador no Brasil, as terras dotais da Princesa ( uma área de 46.582 hectares), na Província de Santa Catarina, o Príncipe delas resolveu tirar proveito, em formação de colonização. Contratou, para isso, em Hamburgo, por seu procurador competente nessa cidade alemã, com o Senador e comerciante Cristiano Mathias Schröder, a organização, por este, de uma sociedade de capitais, denominada SOCIEDADE COLONIZADORA DE 1849, em HAMBURGO, destinada promover a arregimentação de imigrantes, e suas fixações na Colônia a ser fundada. Estabelecidas as bases e fixadas outras condições, por contrato, num Notário de Paris, foram sendo atraídos e para aqui trazidos, imigrantes, em sucessivas levas – notadamente alemães e suíços --, desde a primeira aportada na então Colônia a 9 de março de 1851. (Cyro Ehlke) –
Isolados das outras crianças e confortavelmente sentados nas raízes e à sombra de uma enorme e frondosa árvore, dentre tantas e belas da praça, já recobertas de viçosos brotos primaveris, dois meninos conversam , às vezes animados, nota-se, outros momentos tristes, já no meio da manhã ainda muito fria para a época do ano, todavia ensolarada e às vésperas da grande e sonhada viagem.Florian,(2) mais falante e o mais novo, 12 anos, inquieto, extrovertido e franzino , estimula o companheiro de estripulias, e ora de conversa amistosa , a acompanhá-lo numa derradeira visita, agora às escondidas e sem o tutela dos pais, ao Museu da cidade.
-- Outro Concerto à tarde? Dá sono, cara! contestou-lhe negativamente o amigo Gustav, paciente e contido nas palavras, mas ágil nas decisões, seu velho amigo da pequena Niedamow, Prussia Ocidental, hoje Koscierzina, na Polônia, propondo passeio alternativo:
-- Que tal a Biblioteca?! Frustrado , o pequeno Florian, que desde a tenra infância demonstrava interesse por música e pela cinofilia, ignora a resposta do amigo, um grandalhão com quase 17 anos de idade e afasta-se rapidamente dali.Chegando à Biblioteca Florian já encontra Gustav olhando as prateleiras repletas daquilo que mais gostava: livros. Estava certo desse reencontro, tal a fissura do amigo pela leitura.
--Spinoza! – exclamou o leitor, sorrindo, com olhar sugestivo ao amigo recém chegado, agarrando-lhe pelo braço.
--Tenho opção? – respondeu o outro, com ironia, perguntando: E quem é esse? , antes de se instalarem numa pequena mesa à janela que dava para o grande rio que abrigava o porto.
" El Deseo es el Apetito com conciencia de sí mismo."- Disse Gustav em voz alta enquanto folheava o livro do dia.
--Heim?!?! Fala mais baixo... que língua é essa? Explique. – indagou Florian espantado.
--Explico: Spinoza, quando viveu, na Holanda do século XVI, dizia que " não nos esforçamos em nada, nem queremos, apetecemos ou desejamos coisa alguma porque a julgamos boa; ao contrário, julgamos que uma coisa é boa porque nos esforçamos até ela, a queremos, apetecemos e a desejamos."
--Holandes com esse nome?
– emendou Florian sem entender o amigo.
--Ah!, Baruch ou Benedictus, como queira chamá-lo, nasceu e cresceu em Amsterdan, para onde muitas famílias de judeus, mouros e cristão novos – vinculados à antigüidade grega adquiriram cultura e cultivo das ci3encias, as artes e filosofia, medicina , comercio e finanças., adquiridos pela com a -- haviam mudado perseguidos e expulsos de sua pátria espanhola na península Ibérica com a ajuda do Tribunal da Santa Inquisição no período das Cruzadas, notadamente pela intransigência das monarquias cristãs."-
-- Ei!, Gustav, basta, basta, Já é quase noite e hoje vamos dormir cedo. Amanhã é o grande dia do embarque, esqueceu? Vamos, vamos! -disse Florian interrompendo a fala do outro, agarrando-lhe pelos braços e já puxando o amigo em direção à saída.
A VIAGEM
Navio: TERPSCHORE
Capitão: Rissler
Consignatário: Louis Knorr & Cia.
Saída: Hamburgo, Alemanha, em 10 de abril de 1873
Chegada :Rio de São Francisco do Sul, Brasil, em 01 de junho de 1873
Destino: Colônia Dona Francisca.
E, dentre os 569(quinhentos e sessenta e nove) passageiros à bordo estavam ,
JOHANN PIKARSKI, nascido em 1839 e sua mulher JOHANNE, nascida em 1837,
e seus quatro filhos: FRANZ, com 9 anos, FLORIAN, com 7, JOSEPH com 5 e ROSA com apenas 2 meses de vida. A naturalidade e convivência da família em grupos agrícolas estáveis numa região próxima do Mar Báltico germânico, aliada à religião católica que professavam, fundamentaram a decisiva opção do casal em permanecer na Freguesia de Nossa Senhora da Graça da Villa do Rio de São Francisco do Sul, sítio litorâneo do Atlântico Sul e de intensa vida fundada no catolicismo apostólico romano.Aqui os meninos Gustav e Florian se despedem.Até!
Diversão em dobro: compartilhe fotos enquanto conversa usando o Windows Live Messenger.

Sunday, June 24, 2007

VAU (19)

COMPANHEIROS ,LÁ E CÁ.

Cá, saía de casa bem cedo.
No caminho, ainda com sono, ADAM espantava o medo da escuridão chutando as pedras topadas como se fossem as bolas de meia das "peladas" de rua. Dormia e comia futebol. Sonhava com uma bola de couro. Sonhava ser um craque. Sonhava...." Vestir uma camisa numerada, qualquer número, desde que de atacante. Nos pés, um par de chuteiras novinhas...não, não precisava tanto! Domingo à tarde, na estréia, estádio lotado, o confronto com o rival. Partida dura, disputada renhidamente até que, no final do jogo, ainda empatado em zero a zero, a bola é lançada da intermediária, pelo alto, em direção à área adversária: o zagueiro central sobe e não acha nada; ela então, sobra limpa para o estreante que, num voleio de pé esquerdo, acerta o ângulo superior direito, lá onde a coruja dorme.

Sonhava, sonhava... e sonhou que:
Assim como era no princípio, acredite, o rei de plantão diz que reza e determina como e quando seus súditos devem também rezar: de joelhos, por todos os séculos!
-- Mas Vossa Majestade nem sempre esteve sóbrio!, grita de longe, um maluco pintor de quadrados animados, durante a prédica dominical matutina.
-- O que tem a dizer aquele pobre homem, pergunta o coroado ao ajudante de ordens sentado à sua direita, enquanto a multidão, entre murmúrios e risos, se dispersa.
-- Esqueça-o meu senhor! Ele não sabe o que diz. Embriagou-se e...
-- Interrompe nossas preces?! Ousado!! Tragam-no à minha presença!
Dia seguinte, à tarde, em palácio.
-- Que disse ontem o vulgar homem?
-- Não tenho dormido, realeza.
-- E eu com isso... um rei não se intromete no sono do seu povo. Quando muito, preocupo-me com a fome... e por favor trate-me por Senhor.
-- Pois bem, senhor... reclamava eu da sirene da ambulancia que transporta os doentes ao hospital.
-- Ora, ora, pobre homem. Não me culpe por alarmes e sirenes. Companheiro Barroso!,
-- Sim, Alteza -, se apresenta apressado o baixote de cabelos e bigodes brancos, responsável pela saúde do reino.
-- Ouçamos o relato do contribuinte.
-- Sou todo ouvidos, majestade!
-- Não compreendo, senhores, iniciou o reclamente, por que, no transporte dos doentes, a carruagem real assusta-nos com o som da sua sirene? É que.... que...
-- Continue
-- Minha tenda está muito perto do caminho percorrido pela carruagem e então...à noite, tarde da noite, nas madrugadas...
--- Explique-se Visconde Barrão.
-- Barroso, Alteza, Visconde Barroso. Não se pode dar atenção a reclamações absurdas como essa, meu Rei.
-- Meu Rei?!?
-- Perdão Majestade... mas a sirene é acionada para anunciar a chegada do veículo ao hospital... médicos e enfermeiros têm que se preparar para o atendimento.
-- Há que se anunciar, também, senhor Visconde, todas as novas carruagens adquiridas desde o começo do meu reinado, ora bolas!
-- Tudo bem, tudo bem senhores, há que se mostrar ações e aquisições, concordo. Agora, preparar atendimento médico acionando sirenes ao se aproximar do hospital?? Por que não se comunica a ocorrência, o nome do paciente, etc, etc, desde a origem, através de celular...
-- Celular?!?!?
-- Querem me dizer, então, que os atendentes não recebem qualquer informação acerca do atendimento?
-- Lóoogico!
-- Até logo, senhores!
-- Jogamos palitos, senhor Visconde?
Lona.
Êpa ... cadê o Búke ? Buuuukeee!? Búuuuukeeee?!
Preguiçoso, o velho cachorro acorda. Ele também.
Juntos, lado a lado, avançam agora empoeirados em direção ao açougue do Robert, compartilhando felicidade: o menino cantarolando; o cão, o rabo abanando.
Não demora, cruzam com Quarto e Quinto voltando do SAMDU, onde certamente madrugaram buscando socorro médico urgente para suas doenças incuráveis.
Murmúrios desconfiados e olhares atravessados contrastam com lambidas e latidos amistosos.
Tossindo muito, fraco e fanho, Quarto se lamentava:
-- O doutor me deu uns remédios para tomar antes do almoço e da janta. Mas, tu já viu pobre almoçar e jantar ?!
-- Isso não é nada - contrariava mansamente o ofegante Quinto, escorado em sua estimada bicicleta, uma Göricke importada - pois anteontem meu coração não parou bem ali na descida do morro da Kokoh !? E olha que só voltou a bater lá por perto da ponte Branca...!! Uma curva e oitocentos metros depois!
Sem comida e sem sorte na vida; nenhuma respiração nem batimentos, haja pulmão e coração. Haja vida ! Foram-se.

Dois prá lá, dois prá cá; perdão Elis.
-- Seu Betinho, Seu Betinho, me dá vinte de carne !
Ressaca braba e mal humor nas grimpas, o gordo açougueiro joga a "paleta" no prato da balança, forrada com folhas de caetê, provocando:
-- Carne embrulhada com papel... só carne de primeira ! Só carne de rico !!
Divino e saudoso caetê. Enfolhava e limpava.
Búke não perde a viagem. Ganha seu osso.
O menino e o cão repetem a caminhada quase sempre. Exceto aos domingos. Afinal, domingo é dia de comer frango. Daquele de quintal, que garimpa e belisca.
Lá, chegaram ao céu merecido.
Cá, ao açougue.
Amanhecidos!
Capítulo Três

VAU ( 18 )

TEMPO FINAL

Farinha pouca, meu pirão primeiro!


Na volta de um passeio desses de final de semana, quando passava por um mercadinho de beira de estrada, Adam lembrou-se da mãe.
--" Encontrando uma farinha boa, não esquece!"
Parou o carro no acostamento buscando atravessar a movimentada rodovia, notando, ao longe, uma viatura da Polícia Rodoviária estrategicamente estacionada.
-- A Polícia vai deduzir que paramos com receio dela ! - concluiu Eva, que o acompanhava.
-- Por quê ?!
--! Porque suspeitarão de algo errado, ora bolas !! Olha.... lá vêm eles.... me deixa sair daqui !
– gritou a mulher desesperada.
-- Vamos indo, sem medo. O medo é o azar da vida! Logo à frente , depois daquela curva, tem outro mercadinho... - insiste o teimoso.
E vão em frente.
-- Pára ........ ! Pára...eles vêm aí atrás...
Com efeito, depois de poucas centenas de metros, perseguidos e perseguidores param , um atrás do outro, à porta de um botequim atendido por duas assustadas mulheres que, da varanda, confortavelmente sentadas, testemunharam o final daquela perseguição.
Sem pressa, simulando calma, Eva, instruída pelo marido, desce do veículo e inicia conversa com as atendentes, agora espavoridas.
No carro da Polícia, pelo retrovisor, Adam. avista dois vigilantes. Um deles, o motorista, desce e avança resoluto na sua direção , enquanto o outro, precavido, atrás da porta aberta, e de arma apontada, permanece dando cobertura.
Fingindo distração, o fujão ouve do policial :
-- Boa tarde... Documentos do veículo, por favor ! O senhor devia ter parado.. .
-- Eu...?! Onde...? Boa tarde... Não entendi. Aqui estão...
-- Como não entendeu ? Então o senhor não percebeu quando pedimos que parasse ?? O senhor arriscou-se muito!
-- É verdade que notei seus gestos. Mas, ... como eu não havia cometido qualquer infração continuei.
-- De fato, o senhor não cometeu infração. Acontece que, ao parar no acostamento, ameaçando cruzar a pista, deu-nos a impressão de estar querendo fugir e aí....

-- Bem "seu Guarda" ...
-- Não tem farinha,! –
diz Eva, à porta do pequeno comércio e voltando ao carro.
-- É isso, "seu Guarda". Estamos procurando farinha, da boa, de aipim. ! Só que como o trânsito estava muito intenso, desisti de atravessara pista.
-- OK, OK, aqui estão seus documentos. Só que de outra vez atenda nossa sinalização.
-- Boa tarde "seu guarda". Ah! A propósito " seu guarda"... o senhor que sempre está aqui nesta região, não sabe onde podemos comprar uma farinha boa??
-- Na Mercearia da Dona Edilma, lá mesmo onde o senhor queria cruzar a pista.
Com a farinha comprada, cumprimentam , na passagem, os atentos vigilantes!
Cruzou.

Monday, June 18, 2007

Vau (17)

A CARTA

Amanheceu e...

-- Adam ...? Adam ...? acorda homem !! pára de resmungar.... sonhando besteiras, outra vez?!
-- hum ?? que preguiça !! que horas são ?
-- quase nove ! levanta dessa cama e sai de cima desses papéis!! -repreende Eva, enquanto abre a janela do quarto.
-- Passa as noites em claro... por falar em sonhos, lembra daquele teu sonho com um tal pássaro azul ? que até conversou contigo...? pássaros falantes, deus me livre !!
-- claro, claro, até já me tinha esquecido. você falou com aquela tal amiga lá da faculdade...?
-- Sol! Dr.ª Soltriana, professora de artes. Quer saber ? estudou até no exterior! ela mesmo, não conta nada. sabe o Tony? teu amigo Tony?! aquele impalamado !? !
-- sim, sim, o Tony ! Gostava de um "cisco de virilha" ... e como arrotava e peidava o cristão !!
-- pára de falar bobagens, Adam! pois esse tal é o namorado dela ! e Cleo, heim ?! ainda não apareceu !?
-- daqui a pouco ela chega, acalme-se. que tal um café...me faz um suco. acordei com sede. aproveita e me conta o que tua amiga disse sobre o meu sonho.
-- está numa folha de caderno... ela respondeu por escrito... depois... eu não estou gostando nada, nada, dessas ausências da Cleo, Adam ! um dia é a dor de cabeça, outro é a mãe doente...
-- ora, ora, Eva, essa moças são assim mesmo. sabe como é esta juventude de hoje em dia. contudo, Cleo é uma boa menina...
-- não defende, Adam, ! ultimamente tens defendido Cleo bastante. só para espiá-la no banheiro ? ora seu punhe...
-- está chegando ... Cleonice chegou... !!! -- alegra-se Adam ao abrir a janela do quarto, notando que a empregada desce de um automóvel.
-- ela vai me ouvir! !!
-- vá com calma, eva. ouça-a antes de qualquer atitude...
-- se continuar faltando assim querida, sou forçada a despedi-la. sua mãe que me desculpe mas... dormiu demais Cleo ?
-- ao contrário, dona Eva.... de menos. não sei mas... de uns tempos para cá, na tpm, venho sentindo cólicas muito fortes e... a cabeça então... dores terríveis!! já me disseram que é enxaqueca...
-- bom dia Cleonice !
-- ah ! tio Adam.. Ângelo mandou dizer-lhe que no retorno do trabalho, à noite, passará aqui para ...
-- então era o Ângelo naquele carro ?
-- não, não, ontem quando ele...
-- vá à padaria Cleo. traga pães, leite... - interrompe Eva, impaciente.
-- e o jornal; traga-me o jornal- completa Adam.
-- Algo mais? Não me demoro.
Durante o café, Adam mantém os olhos nas manchetes do jornal preferido: " novo porto " é a principal. O texto o deixa indignado.
Com efeito, provocado por um experiente jornalista acerca de uma eventual recandidatura à prefeitura do município , o jovem político declina do pleito em favor de " preocupações maiores" com as obras prometidas ainda durante a sua recém vitoriosa campanha eleitoral e se declara favorável, dentre outras, a: "..... construção de hidrelétrica do rio C. e a novo porto marítimo na baía B."
--" primeiro poluíram e agora querem globalizar a baía ... e ainda vão acabar com as quedas d'água e as nascentes do rio..." - murmura o introspectivo Adam.
-- aqui está o que Sol escreveu sobre o teu sonho. -- intervém Eva, já de café tomado.
-- outra coisa, estou indo ao cabeleireiro e depois passo no supermercado. não me espere para o almoço..... divirta-se ! ou melhor , divirtam-se !!
A carta, escrita à mão:
Querida amiga, meu mestre Juan Manuel ensinou-me assim:
alado es un símbolo de espiritualización, ya para los egípcios. la tradición hindú dice que los pájaros representan los estados superiores del ser. en un texto de las upanishads se lee: <<>>
" según loeffler, el pájaro, com el pez, era en su origen un símbolo fálico, pero dotado de poder ascendente (sublimacíon y espiritualización). en los cuentos de hadas se encuentran muchos pájaros que hablan y cantan, simbolizando los anhelos amorosos, igual que las flechas y los vientecillos. también pueden ser los pájaros amantes metamorfoseados."
especificamente sobre a cor, ouvi isto:
" el color del pájaro determina un sentido secundário de su simbolismo. el pájaro azul es considerado por bachelard como <<>>, es decir como pura asociación de ideas, pero a nuestro juicio, aunque su origen fuera éste, su finalidad es otra : constituir un simbolo del imposible. como la misma rosa azul. en alquimia, los pájaros son las fuerzas en actividad ....." e vai por aí afora.
olha eva, por ora e numa preliminar -- e preliminar é sempre bem vinda , não é mesmo ? -- te digo querida que tem alguem por aí olhando por ou de cima. Proteja-se amiga !!
Conseguindo algo mais sobre o assunto, te mando.
beijos, da amiga
SOL .
Adam terminou a leitura intrigado e com a cabeça repleta de indagações. Nas nuvens !! Ou perto delas, ... como um pássaro !?!
Quem estaria olhando de cima ? Produção do movimento aéreo ? Azul ? Lógico... a Terra em movimento e , vista de cima é azul... então... será que é isso !?
"-- Mas então o que tio Gabriel queria dizer com ...<< mulher é tudo igual , igual a um laço, e seu coração uma rede, e suas mãos, cadeias. Aquele que é agradável a Deus lhe escapa, mas o pecador será preso por ela...."Lembrou ele. "... Não foi à toa que titio fora eleito Presidente da Assembléia. Tio Gabriel era um grande sujeito. E conhecia tudo sobre o sexo feminino." E continuou com seus pensamentos:
"-- Agora começo a entender tudo. <<>> <<>>. <<>> Então é isso !

Sunday, February 11, 2007

GATOS PARDOS ( 16 )

Loucuras de inverno


Os vizinhos do solitário morador da casa número 214, da rua do papel grosso, acordaram assustados no meio de uma noite de lua cheia, a última daquele inverno rigoroso e seco.
Todos sabiam que aquele vizinho não era bem certo da cabeça mas, desta vez, algo estava errado. Os gritos de dor, misturados a nervosas gargalhadas, substituíam as risadas soltas e o murmúrio insistente , comuns àquele sujeito, um homem de altura mediana, magro, muito magro, cabelos ainda castanhos, apesar dos sessenta e poucos anos de idade, barba sempre feita, bigode curto, nariz grande, e testa larga. .Contudo, por onde passava era quase sempre festejado.
Sua loucura , também medida pelas vestes, calçados e adornos que usava -- espalhafatosas gravatas coloridas e paletós de mangas extremamente curtas, de tal modo que não alcançavam os pulsos finos, quase secos; anéis rudimentares, feitos de fios de cobre, abundavam nos dedos finos das suas mãos peludas ; os bicos dos sapatos que invariavelmente calçava eram todos cortados na sua parte superior , expunham à vista as unhas compridas dos dedos dos pés, sem meias, engolidas -- fora resultado de uma decepção amorosa, ainda na juventude. ouviu-se dizer que , completamente apaixonado, com todo o enxoval pronto e de casamento marcado, na véspera, a noiva foge com o melhor dos seus amigos. nunca se comprovou nada, mesmo porque o tal amigo não passava de um pobre coitado, já meio arqueado pelo excesso de consumo de bebida alcóolica e cigarro, e que, de tão passivo, tímido e doentio, tinha o apelido de Sonâmbulo.
naquela noite, durante a ocorrência de outro apagão, provocado sei lá por quem, os vizinhos confrontantes continuaram todos no estado natural de comodismo: " esperar para ver como é que fica", não se atrevendo, ninguém, a buscar resposta àquele incômodo noturno. Exceto o filho mais velho do morador da casa ao lado: o moço Rafa, estudante de arquitetura na universidade da capital , jovem de boa índole e que mantinha uma razoável amizade com o vizinho barulhento. Pulou da cama e sem demora estava à porta do desmiolado e estranho amigo. Sem resposta aos vários chamados e ainda ouvindo gemidos e gargalhadas , resoluto, arrombou a janela do único quarto da pequena casa.
--
Peter !? que houve ?
Deitado, despido da cintura para baixo e numa agitação só, ele segurava e soprava seus testículos, intercalando gemidos e risos.
-- Vamos dar um passeio ! - disfarçou o rapaz, constatando a gravidade do caso.
Num instante, à bordo do automóvel do moço, chegaram ao pronto-socorro municipal, que dali distava pouco.
Depois de um breve relato à atendente, estão diante do médico plantonista. Este, estupefato diante do que vê, opta, preliminarmente ,por relaxá-lo com uma dose de calmante.
Após algum tempo e de vários procedimentos, sem êxito, o médico conclui que o paciente necessita mesmo é de um dentista.
-- Dentista ?!?! o doutor martinni !! -- espantam-se e indicam, atentas e pasmas, as enfermeiras.
Funcionário público em final de carreira, único cargo que exercia, mal remunerado e, por conseguinte, desestimulado, Luigi Martinni, àquela altura, se dedicava muito mais à jogatina desvairada, sempre até altas horas da noite, que à odontologia. Nos últimos meses, havia passado mais tempo em greve, reivindicando pretensos direitos e aumentos salariais, que propriamente dentro do gabinete de trabalho. Era pragmático e .... diariamente: andava, falava, ouvia, respirava, comia , trabalhava, jogava e dormia. Semanalmente: mensalmente: anualmente:
Chamado ás pressas, já de madrugada, o velho dentista se apresenta com sua carranca habitual.
-- Mas... isto é uma brincadeira de mau gosto! este sujeito usa dentadura. Tiram-me do sossego do jogo para uma brincadeira de mau gosto --, apressa-se no seu diagnóstico ao saber de quem se tratava.
--" O negócio dele é mais embaixo" doutor,-- esclarece o médico, disfarçando um sorriso malicioso. e acrescenta:
--
é que,... depois de introduzir este estranho anel no pênis flácido, ele começou a masturbar-se, creio, provocando o enrijecimento do órgão, pressionando sua base , provocando estrangulamento... quase .. ! veja!
-- tarado!
-- resmungou o dentista.
-- Trauma, doutor ; mescla de sofrimento e gozo!! -- completou o amigo rafa.
-- Que trauma que nada. Safado é o que ele é! - sinaliza o cirurgião.
Detalhado o ocorrido, o dentista inicia um delicado procedimento cirúrgico para a retirada do objeto e o conclui, com sucesso, pouco antes do amanhecer.
Nas noites seguintes, sem apagões, só risadas!!
GATOS PARDOS ( 15 )

VOYEURISMO

Durante o jantar conversaram acerca da gravidez, do encontro inesperado com Ângelo e sobre a recente mudança de comportamento da sobrinha que trabalhava um dia e faltava outro.
Naquela noite Adam perdeu o sono de vez. A gravidez de Eva, a dor nas costelas, ... começou então a lembrar da infância e adolescência. Angelo não morava longe. Sempre brincavam juntos, sempre. No verão, divertiam-se com freqüência no quintal da casa do amigo. Ah! os cascos dos caranguejos cozidos, comidos nas festas de final de ano, representavam os peles-vermelhas dos filmes americanos em cartaz, cercados e massacrados pelos carros de latas de leite ninho vazias , os soldados cara-pálidas.
Depois da brincadeira de "peca à vera, último", ou da do "camone", fortemente armados com revolveres feitos com as raízes do jasmim, no meio da tarde, exaustos e com fome, pulavam a velha cerca de arame do pomar da Dona Lourdes, para "roubar" jambos, cambucás e carambolas.
Outras vezes, sorrateiros, juntavam as folhas secas do único pé de figo cultivado pelo velho Toflor Hermann. Moídas, eram misturadas aos cigarros, comprados avulsos, fumados às escondidas nas habituais rodadas , sob a ponte da estrada de ferro, ao anoitecer. Davam-lhes aroma especial, acreditavam.
E a "revirada" do lixo ! no meio da manhã das sextas-feiras estavam todos apostos no depósito de lixo municipal, entre o mar e o rio. Quando, sob arrufos, o velho carroceiro abria as laterais da caçamba, despejando o lixo recolhido dos ricos residentes no centro da cidade, acirrava-se a disputa entre os falantes meninos com suas varas de aroeiras-da-praia e os bicos dos esfomeados urubus grasnantes, na luta pelo melhor lote. Estes, brigavam por suas carniças. Aqueles, à procura de livros, gibis, canivetes ou algo para brincar ou até comer! isso mesmo! até comer: laranjas, cocos... Prenúncio de reciclagem ?
Como ainda não haviam aprendido a leitura, o zorro, o fantasma, o pato donald, entre outras revistas, eram folheadas ali mesmo, sobre a areia da praia, o limite do mar!
E claro que se seus pais desaprovavam aquilo tudo; a cada descoberta, uma surra. Muitas surras!
Mas o Ângelo nunca apanhava. Que sujeito de sorte ! E já quando moço, quinze para dezesseis anos, todo ano ganhava uma bicicleta nova !!
E mais: só trajava camisa "banlom" e calça de "naicrom". Nos pés, como ele mesmo exibido dizia, " só sapatos terra". Claro que causava inveja a todos os amigos do bairro. Não estudava e nem trabalhava. " quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro", filosofava quando perguntado de onde trazia o dinheiro que apostava e quase tudo perdia, no único jogo que se aventurava, a sinuca.

Enquanto alguns rapazes, os mais obedientes, embrenhavam-se na mata ou no mangue em busca de lenha, o indispensável combustível para o fogão de cozinha, ele não. Sentava nas cercanias da ponte da estrada de ferro, à espera dos vagões da composição mista do trem , liderada pela velha "maria fumaça".
E nessa vigília, quase sempre experimentava uma ingênua(?) masturbação, não raramente compartilhada e disputada com outros amigos e só interrompida pelos apitos do trem que se aproximava.
"--- joga lenha ! joga lenha!" – gritavam e pediam, insistentes, aos foguistas e maquinistas que, educada e pacientemente, rolavam alguns troncos de lenha ao longo da estrada de ferro.
As lembranças atenuaram mas não foram suficientes para cessar as dores nas costas, causadas pelo tombo vespertino, levando-o , já no meio da madrugada, a buscar socorro na farmácia caseira do itajer da sala.
Contida a dor, mas sem sono, Adam lembrou-se ainda das tardes de domingo quando se ajuntavam debaixo da mesa da sala da familia do vizinho Antonio da Gracia ,dona do único aparelho de TV, em preto e branco, do bairro para assistirem o programa Jovem Guarda. Aproveitou o restante daquela madrugada escrevendo, pois, afinal, agora quando havia conquistado seu primeiro leitor, não poderia desapontá-lo, jamais
!

Saturday, February 10, 2007

GATOS PARDOS ( 14 )

SEXO SOLITÁRIO

Ainda no táxi,
-- Senhorita!, desculpe-me, preciso de alguma referência para encontrar a sua rua...
-- o senhor sabe o hospital?
-- hospital por aqui? ah, sim, logo ali. eu passo todos os dias por aqui. moro a quatro quadras daqui, depois da linha férrea...
-- Alí. Alí, senhor, entre alí naquela rua.
--"ih! é a rua dos malucos !!"
- Pensou ele.
Subiram e sem demora já estavam em frente a casa indicada por Eva que, de tão apressada, desceu esquecendo de pagar o taxista.
Quando entrou, pela porta da sala, encontrou Adam deitado ao sofá:
-- que demora ? que houve?
-- o transito ...mas quero saber de você... os gemidos ao telefone...
-- encontrei Tio Adam caído à porta do banheiro...
- intrometeu-se, tensa, uma moça vinda da cozinha.
-- cleo !? ainda não foi embora?- espantou-se Eva, notando a presença da sobrinha de Adam, que durante o dia estudava num dos quartos da casa do casal, a pedido da mãe, divorciada.
-- fiquei preocupada, tia. Imagine que quando saí do banheiro, encontrei-o caído bem ali ao lado da porta... gemendo, pobre coitado ! - acrescentou Cleo, uma menina ainda, mas dona de corpo atlético e rosto angelical, omitindo alguns detalhes, nitidamente.
-- sente alguma dor agora, Adam? - desconversou a dona da casa.
-- aqui... aqui em embaixo, na costela... mas... mas já estou bem !
durante alguns segundos os dois se entreolham ...
-- ah! o taxista... esqueci do taxista, meu deus ! cleo ? onde você está ?
-- já estou indo, Eva!
-- Diga ao motorista do táxi que espere mais um pouco.
-- Adam querido, preciso pagar a corrida do táxi !
-- quanto ?
-- nem sei, nem sei, esqueci até de perguntar; mas não deve ser muito.
-- Eu converso com o motorista
.
chamado, o motorista resiste... mas entra.
-- cabo pereira !?!
- Angelo!?? não é possível ! não, não pode ser verdade
- espanta-se Adam, sentindo um súbito arrepio de frio.
-- há quanto tempo ? mas que coincidência boa !!
-- pois eu não agüentei aquela gente. e você?
-- estou aqui há algum tempo. até comentei com tua mulher durante a ...
-- viagem, pela demora foi uma viagem!! -
interrompeu Adam
-- sabe como é, quando chove pára tudo.
-- mas diga-me, como está a vida ?
-- boa, boa, não dá para reclamar, mesmo com esta crise... e você Pereira, o que está inventando ?como veio parar aqui? ainda não estou acreditando..
O apelido lhe fora dado por alguém que o conhecera muito bem, pois, embora nunca estivesse nem visitado uma instalação militar, Adam, um rapaz forte e atarracado, usava um corte de cabelo muito parecido com o dos militares de seu tempo. "Uma homenagem a titio Gabriel", dizia.
-- que tal um café ? - interrompe Eva.
-- aceita um cafezinho, Ângelo ?
-- claro, com prazer!
Quando eva sai em direção à cozinha, Adam sugere que ela acrescente ao café algumas folhas de hortelã .
-- café com hortelã ?
-- coisa dela ! dá um sabor refrescante e energiza!! aprecio muitíssimo. Muito mais agradável que um tal chá de "baleeira" que tomo diariamente. Você sabe, a gente vai ficando velho, tem essa coisa da próstata... não que seja algo sério mas...salve Nossa Senhora!
-- Qual nada homem ! Isto mesmo, tenha fé.
-- eu, às vezes, fico lembrando daquele tempo...anoto alguma coisa...
-- pois a tua mulher estava me contando,... metido a escritor, heim ?!
-- apenas alguns registros engraçados, nada que ...
-- Continua com aquela modéstia..heim amigo!

-- verdade! leio bastante, isto sim !
-- pronto ! aqui está, café fresco faz bem à saúde -,
intervém eva, sorrindo educadamente.
-- sou viciado em café. Livrei-me do cigarro... , mas do café...
-- e um cafezinho quente, com esse tempo úmido...vai bem !
-- e a cleo , eva? já se foi?
-- com essa chuva ? coitada, está esperando uma estiada ...
-- quem sabe Ângelo não lhe dá uma carona?!
-- claro ! onde ela mora ?
– aceitou o taxista.
-- não muito longe. cleo, venha cá !
Inibida, sob o olhar desconfiado de Eva, a moça indica a direção ao motorista.
a surpresa do encontro, a conversa, o café mesclado e a presença da bela Cleo atordoam tanto o taxista que, prometendo novas e muitas outras visitas, ele se despede sem cobrar seu serviço.
-- foi um grande prazer, cabo !
-- apareça outras vezes amigo, estaremos sempre de braços abertos.
-- Certamente ! desejo muito conhecer detalhes dos teus "escritos".
-- claro, claro, ... tenho alguns rascunhos inéditos e ficaria muito feliz se isto realmente acontecesse. Pois saiba Ângelo, eu escrevo, escrevo e ninguém ...os l ê –
diz Adam, simploriamente.
-- combinado, de agora em diante , já tens um leitor...
-- que ótimo Ângelo, até amanhã e cuida bem de cleo, heim ?!

Abraçam-se.
eva acompanha Cleonice e o taxista até o veiculo e também se despede, abraçando e beijando a sobrinha..
-- não se preocupe eva. até amanhã ! confirmou a moça , já no interior do táxi, com a mão direita para fora, num movimento de dedos que só as duas mulheres entendiam.
quanto volta ao interior da casa , eva encontra Adam prostrado ao sofá, assustado.
-- que houve agora ? por acaso viu algum fantasma dentro do banheiro ?! ou a cadeira quebrou, diga-me Adam ?
-- não é isso ..meu amor!
-- não desconversa, não desconversa...
-- é que aquele ...
--aquele o quê ? da ultima vez foi uma perna quebrada e quase seis meses de recuperação ... e agora?
-- só dói um pouco aqui -
choraminga Adam, passando a mão direita embaixo do outro braço.
-- Voyeur,... deve ter quebrado as costelas, só para....
-- escuta Eva, não se trata de...
-- é isso mesmo Adam, voyeurismo puro! não acredito mais ...
-- Quero falar é do taxista !
-- o que é que tem o motorista ? ciúmes dele ? É?
-- que ciúme que nada eva ! eu juro que vi esse sujeito morto ! Quando ele chegou aqui eu senti um frio danado...um arrepio, dizem que quando ...
-- Adam querido! ?
-- Verdade eva, creia-me, esse Ângelo morreu e já faz tempo. Foi morto pela mulher!
-- olha Adam, eu vou tomar um banho e depois faço alguma coisa para o jantar, está bom ? Chega de ouvir essas bobagens
- desconversou eva, querendo sair.
-- eva,... escute... eu estou receoso.
-- e eu grávida, lembra ?!?
-- mas você tem certeza disso ? o médico confirmou mesmo ? mas como! ?
-- não sei bem... tenho ainda que ... fazer uns exames e voltar lá.
-- ai, hum ...está doendo ...
-- onde...?aqui ...?!
-- não aperta, não aperta ... dói.
-- primeiro foi uma perna quebrada, agora ... costelas. tu ainda vai quebrar a cara com essa mania de espiar a Cleo no banheiro, Adam!?
--Quero flagrá-la fazendo xixi na pia, Eva !! Tomara eu a veja!
-- além de tarado é cínico ! vou à cozinha!

E lá se foi Eva.

GATOS PARDOS ( 13 )

BUCK , o cão viajante


Mas, além de muito vento, havia coisas muito estranhas por lá. - diz a passageira.
por exemplo...
Por exemplo? Aquele cachorro que só andava de ônibus !
Mas senhora, cachorro andando de ônibus é coisa normal. Veja na calçada, quantos deles! E são muito bem tratados.
Normal se o cão estivesse com seu dono, ou, com um acompanhante como esses aí. Mas aquele não, aguardava no ponto de ônibus e embarcava sozinho... natural, naturalmente.

como assim ?
já faz algum tempo que Adam contou-me esta estória, não me lembro de tudo mas ... o dono do cachorro era garçom de um bar no centro da cidade e morava num bairro distante. Utilizava transporte coletivo, uma tal maracangalha, para ir ao trabalho.
e o cachorro junto ?
sempre !
então, o ... como se chamava o cão mesmo ?
Bucke!
acompanhava seu dono!
é, mas... em período de festas prolongadas, dessas festas religiosas muito comum no interior, o movimento do bar aumentava tanto que o dono do cachorro não voltava para casa à noite; dormia por lá mesmo...e pela manhã...
lá estava o cão lambendo seu dono...
isso mesmo! Aguardava no ponto perto da sua casa, embarcava e algum tempo depois...
ah! ah! ah! essa é muito boa, demais! outra, outra...
mas ainda não terminei esta!
como ?! não terminou ?
é que o cão, no final do dia, cansado, voltava prá casa sozinho...
ah! e de ônibus!
claro, os dois eram muito amigos do motorista E ....
olha senhora, ou o seu marido é um grande mentiroso, desculpe a franqueza, ou onde ele morava só havia malucos !
Mas... e aqui, senhor, aniversário de cachorro, com festa, convidados... todo mundo assistiu pela TV. que vergonha! festa para cachorro, enquanto as pessoas, uma boa parte, passando até fome..., sem terra, sem teto, sem tudo!
bem...é que...olha eu...me criei lá no interior e ...
então o senhor deveria conhecer bem estas estórias !
mas aqui, sabe como é cidade grande, a gente custa muito a sair e nunca mais volta ao lugar onde nasce. Sinto muitas saudades da terra do já teve.

GATOS PARDOS (12 )


A DÍVIDA


Tânta... Pois é. Como se diz?- pergunta o taxista, retomando o diálogo.
Tântalo! Pois desse tal ele nunca me falou nada! O Gaturamo era uma figura. Contam que depois da morte do Tenente, ele não apareceu mais no boteco; muita dívida!!.
-- Mas, um dia, de surpresa, voltou.
-- Como o senhor sabe?
-- Eu estava lá!!
" Dá uma gelada aí, Gordinho!
– começou ele.
Pois tive um sonho lindo com teu pai...continuou.
Conta, conta! – incentivou o novo balconista, dizendo-me, de passagem :
" Hoje vou receber aquela conta antiga".
Pois o teu pai está no céu, rapaz!
E onde mais o velho haveria de estar, ora, ora.
Claro, claro, eu nunca duvidei que seu destino fosse o céu, mas... anjo?!, isso não! É demais. De anjo ele não tinha nada, convenhamos.
E lá também ele toma conta do bar, acredita?!
-- Bar no céu?!
-- É, mas só vende água rosada...
Nem uma cervejinha por baixo dos panos!?
Pior que não.
Pausa. Passou um anjo.
- Quando me viu...assustou-se!
Viu??
É, visitei o céu! Não acredita??
E como está o velho?!?
Êle? Estava lá, bonito, gordo, aquele mesmo bigode, agora grisalho, lógico; sorriso largo, uma simpatia. Abraçou-me contente...
E o que disse?
A voz dele é que está diferente. Parece voz de artista de novela! Deduza, homem!
Não sei, não sei...
-- Falou-me sobre muitas coisas, sobretudo do longo tempo que passou no purgatório.
-- Purgatório?? Um homem bom daquele esteve ainda no purgatório?
-- Eu também não entendi mas...
-- Veja como são as coisas
-- Quê mais ?
Ah, sobre a minha dívida...?
E aí, isto me interessa. Necessito quitar uns fornecedores ...
" Está perdoada," concedeu quando nos despedimos.
Heim?!?!? Como te perdoou?
Até amanhã! Vamos Buck, vamos logo que está na hora do almoço.
E lá se foram; o homem e o cão, outra vez.

Thursday, February 08, 2007


GATOS PARDOS ( 11 )

GATURAMO

Como de costume, ainda ressacado, o velhaco Ridlav Gat Uramo chegou ao boteco no começo da manhã e foi determinando:
dá uma gelada aí, tenente !
Indiferente e fingindo-se surdo, o velho balconista não atende e continua com o ouvido esquerdo grudado no empoeirado e ruidoso aparelho de rádio, um Pionner 1950 valvulado, autorizado a funcionar pelo Departamento de Correios e Telégrafos que, de cima do velho e enferrujado refrigerador, transmitia o noticiário local, sintonizado na única emissora de radio da cidade:
"Ninguém morreu" – anuncia ele aos seus clientes, depois de ouvir o comunicado do agente funerário.
Mais atenção; ouvido colado.
" Um único menino nasceu, !" - comunica exultante. "Outro filho do compadre Chico, coitado." – lamenta, ao conhecer o nome do pai da criança.
" Prestem atenção; vai falar o delegado" – anuncia respeitoso o balconista, aumentando o volume do rádio.
" Finalmente, preso em flagrante, ainda quando descia do ônibus, vindo da capital, o meliante John GONSSA, perigoso ladrão de galinhas. Desta vez ele vai mofar no xadrez! " - informa com voz mansa o experiente agente policial.
-- Crucificai-o !! – ouve-se de todos.
Gaturamo, entretanto, mestre na arte da dissimulação, representação e da lorota estéril e fácil, utiliza a eficiente estratégia da conversa fiada: escolhe um assunto polêmico do momento—o homem pisou na lua ou não? - e alimenta a discussão, contrariando , sempre, no início, a opinião da maioria das pessoas presentes, gente simples e de espírito fraco, subjugada até, conformada à situação presente.
-- Claro que sim – opina com firmeza Greites Vassil, guarda-mor aposentado , neto de escravos --.
Eu vi pela televisão. Até fincaram uma bandeira!?
-- Eu não creio – discorda contrariado o pescador Johan Margarida, -
Acordei às quatro da manhã e perdi meu tempo e meu sono; não vi ninguém caminhando por lá. É tudo mentira.
-- Deus não permitiria tal coisa – diz Adriano Bentes, católico fervoroso, descendente de imigrantes eslavos, servente de pedreiro.
-- Eu com isso! Quero mais é que se f... – conclui sem terminar a expressão, Charlles Orlando von Peytton , leão de chácara de salão, já embriagado àquela hora do dia..
" Quanta inocência! Como é fácil lográ-los, estúpidos! – acompanha sorrindo, em pensamento, o mediador.
Observador, paciente e ardiloso, Gaturamo conduz a conversa ao seu feitio, transigindo, fingido, ao perceber a eficácia de seu golpe.
Vencido, o balconista atende o pedido do manhoso: dois toques de abridor no gargalo, outro na tampinha e pronto: a primeira garrafa, de uma série delas, está aberta.
Servido e acomodado, Gaturamo percebe dois homens conversando entre si, numa linguagem estranha, sentados a uma mesa de canto, obviamente alheios à discussão. Marujos estrangeiros, ali, eram presença comum, dada a proximidade do cais do porto de uma cidade portuária, pequena. "Vou enganar esses gringos f.d.p.", fala baixinho, para ele mesmo.
Aproxima-se e inicia o diálogo:
-- Where do you live! - pergunta num inglês aprendido na beira do cais.
-- Russian. I am Valery and this is my friend Bolkanov.- responde o mais velho, gordo e bigodudo, nomeando o companheiro mais jovem, olhos azuis atentos, que timidamente esboça um sorriso simpático.
--
Please to meat you! Welcome to Brasil!
-- Brasil is a country very, very good... beautyfull. I like to Brazil. Womans, carnaval, football, very, very good!
Os dois russos estavam felizes por estar outra vez no Brasil e alí naquela mesa, àquela hora, bebendo vinho tinto suave, quente, apesar do forte calor que fazia. Haja estômago! Valery, o mais espevitado, não se cansava de repetir, por meio de gestos encenados, que no seu país era comum um encontro de amigos, num bar, terminar em disparos.
-- Pum, pum, pum – denunciava ele, demonstrando com o dedo indicador da mão direita, direcionado ao amigo Bolkanov.
-- No inteligentes, no inteligentes – afirmava sorrindo, concluindo a cena com um sopro na ponta do dedo indicador.
-- Here no. Here finisch in big porre! - comemora nosso interprete Gaturamo.
--
Pooorrrreee?!?!??!?
Breve pausa.
-- I have pau-d’água! – diz Gaturamo, interrompendo o silêncio.
-- Quem gosta de pau-d’água são os coreanos; fazem perfume dele! – intervém o balconista, já levemente anestesiado por alguns goles de cachaça e cerveja, com ares de experiência no assunto.
--
Gato, ...cachorro, então?
-- Filipinos! O filipinos é que gostam de cachorros – comenta outra vez o homem do balcão, sob os olhares desconfiados dos estrangeiros e risos contidos dos nativos.
-- Puta com lã!?
-- What??
Conta a estória do dinamarquês bêbado que dormiu com a Sandrinha Cobra , garçonete do Bar do Capitão: " O marujo percebe a falta dos pentelhos da prostituta, raspados em face de uma camaçada de chatos, e pergunta incrédulo:
--
Where is hair? flue?
-- O quê? –
Lana! Lana....
Ah, a lâ! Aqui?!
-- Yes, Yes!
grita ela –
afinal tu veio aqui prá foder ou prá fazer tricô?!
Risada geral; menos dos dois visitantes que se despedem pensativos, sem entender nada.
Gaturamo, então, oportunista como sempre, manda pendurar a conta, mais uma vez, e, à francesa, vai-se embora.
Pelo caminho nem percebe o início da chuva, trazida pela já forte ventania berrante, prenúncio de mais uma trovoada de final de verão.
Cada pingo é um pote...! Eu sabia, quando o pássaro pernalta canta no mangue, ao sul ... é chuva na certa! - previne e provoca , em voz alta, a tagarela e ora barriguda mulher do velho marinheiro surdo, nitidamente grávida, enquanto sacava algumas peças de roupa que secavam ao varal, notando a passagem do vizinho embriagado.
Cuida... do... teu marido... aquele... - devolve o transeunte, com dificuldades, sem dar muita trela, gesticulando com uma das mãos espalmada à cabeça. Chifres!
" Ainda dizem que é só ela passar perto das cuecas dele para engravidar...! Mas que tolice! – resmunga, seguindo seu caminho. -- "
Todas as tardes, enquanto o marido dá um duro no trabalho para ganhar uns poucos caraminguás, ela, autora da célebre afirmação que " vagina não foi feita para guardar café nem farinha", recebe um convidado para comer sua cuca de banana. E segue na sua rabugice: Ao corno não basta apenas um cão de guarda. Há que ter muita sorte e uma bela espingarda, dizia sempre Benjamim, o caçula dos irmãos Simeone, em liberdade condicional e com experiência no assunto. Afinal, no segundo casamento, acumulando decepções, do amigo amante e da esposa infiel, mandou chumbo nos três...dois! três mesmo; no cachorro também! Aí também já é demais, - continuou resmungando, aos tropeções, mas avançando; aos trambulhões, mas avançando; com fome, mas avançando...na escuridão, mas avançando.
Há limites
Já perto de casa:
Pronto - comemorou, ao botar os pés no pontilhão, levantando o braço direito, como de hábito, desde que mudou-se para aquela pequena casa com quatro cômodos, de madeira e nunca pintada, onde vivia feliz com mamãe Beatriz.
Quase dez da noite e Gaturamo não chegava; como todas, atarantada com o atraso do filho , a mãe começa a se preocupar:
-- "o que teria acontecido com meu filho ? Onde teria se metido até aquela hora, meu Deus?" - pergunta aturdida às paredes.
Sem resposta , saiu desatinada, chorando já, repetindo aos quatro ventos:
Alguém viu meu filho ? Não viram meu filho, gente ? Alguém o viu! Não é possível alguem desaparecer assim...
Chega até a esquina e se apavora com o bar fechado.
-- Deus do céu, ajudai-me! - implora ajoelhada e aos prantos , antes de regressar desiludida, fazendo promessas a todos os seus santos de devoção.
Um deles ouviu!
Filho ?!! -- Todo molhado... machucado, coitado ... obrigado meu Santo Antônio -- constata agradecida, ao entrar pela porta da cozinha.
Em frente ao fogão, mantido aquecido para secar as cambiras penduradas no fumeiro, sentado no monte das achas de lenha, assustado, ele limpava os braços sujos de lama e ralados, enquanto, trêmulo, se aquecia.
-- A culpa foi do galho, mamãe !
-- Mas que galho, filho ?! Não estou entendendo!? Vou fazer um café bem quente...—
atalhou piedosa a velha senhora.
--
No meio daquela ventania, ergui as mãos e não encontrei o ... maldito galho!!
-- Quer me explicar que diabos de galho é este, menino!?
– diz a mãe, atiçando a brasa, exigindo mais detalhes.
-- Da goiabeira, mamãe, da goiabeira lá do pontilhão !! era só pisar na primeira tábua ... lembra? se agarrar no galho e atravessar. Lembro que pisei e ... -- continuou se explicando.
--
e ficou todo esse tempo no fundo da vala !! Sorte que estamos na lua minguante e a maré não sobe, senão, ...podia ter morrido, meu filho!
-- é, ... acordei rodeado de sapos!-
conformou-se o rapaz.
Fora traído pelos galhos da goiabeira, que avançavam sobre os apodrecidos dormentes do estreito pontilhão, desviados pelo vento forte da trovoada vespertina.

Teve seu dia de Tântalo.



GATOS PARDOS ( 10 )


O respeito


Domingo à tarde, céu cinzento, vento forte e esquisito, sorridente(?) e resmungando, à pé, como sempre, vai passando o Alfredo:
O Souza me conhece. Só vou prá cidade receber a minha aposentadoria. Passo lá e tomo a minha cerveja! Pago à vista. Não devo nada a ninguém.
Pára e ensaia alguns passos de samba .
. Sou bom é na malacacheta!. Tenho uma lá em casa !!
A felicidade é tal que não cabe toda dentro dele. Veste uma camisa azul-clara, límpa e bem passada, "lavada com sabão-azul da Dona Teresa" diz, onde, acrescenta, " compro o feijão novo, a farinha torrada e o açúcar refinado.""
Orgulhoso, mostra a calça e o cinto, acizentados, e o gorro branco de marinheiro. O sapato preto, de tão brilhoso, reflete os poucos raios de sol que ainda persistem e completa o uniforme militar.
Sonho frustrado ou protesto inconsciente ?
Num repente, arnelas à mostra , assusta quase cantando:
-- Mas nunca faltei com respeito a ninguém, moça !!
E continua, quer mais conversa:
-- Papai me deixou muita terra! Homem bom! Nela planto couve daquela verdinha, sabe ? Aipim...cebola, planto de tudo ... na lua certa !
Agora, dança e resmunga. Algo sobre "um batuque no trapiche do Santista," sabe-se lá quando.!
-- Mas nunca faltei com respeito a ninguém, não! - acrescenta com suavidade quase musical.
-- Quanto anos Alfredo ?
-- Mais de setenta - devolve, convicto e vaidoso.
Mora sozinho no Beco, segundo poste à esquerda.
-- Durmo cedo; acordo às quatro, sempre - revela aos pulos, exultante. E diz mais:
-- Preciso arranjar uma mulher... mas tem que olhar muito bem -- confessa duvidoso, pensativo.
Alguém se habilita ?
-- Mas nunca faltei com respeito a ninguém, não senhor !! insiste com um sorriso nervoso.
O sueste aperta anunciando chuva para logo.
Provoco, então, acerca das duas canetas que carrega no bolso da camisa.
-- Tenho um caderno cheio de músicas... que eu mesmo faço ...tem a do caranguejo, quer ver ? -- impacienta-se.
-- É mesmo Alfredo!! ?
Nas suas mãos logo aparece uma caixa de fósforos e na ponta da língua:
-- " Brigaram o siri e o caranguejo
Brigaram até sair sangue
O siri mora no mar
O caranguejo mora no mangue
Caranga !!!"
E arremata, firme:
_ Mas nunca faltei com respeito a ninguém, não !!
Tímido, nem se despede; abre o guarda-chuvas e vai embora.. Para onde ?
Até breve capitão.
Mirem-se, afilhados do CAP e Sobrinhos do Capitão; cuidem-se Capitães de A a Z!!!
-- Que lhe parece este Alfredo?
-- Expressão oportuna e natural dos sentimentos do homem. Uma mensagem do pensamento de alguém que passou muito tempo observando o comportamento das pessoas , o cotidiano, às vezes... ei! por pouco aquele carro cinza não me bate!
-- Por sorte ! Parecia um louco ao volante.





GATOS PARDOS (9)


Os políticos


Ah, os políticos! Quantas estórias... eu mesmo, senhorita, conheci dois rivais, adversários renhidos, mas decentes e merecedores de breve comentário . Ah!, a decência!
De político ouvi falar de um tal José Maria Wellnutring!?
Não me lembro desse nome.... mas nem merece ser lembrado, ao que me parece, não?. – diz Angelo.
Imagine.
Bento Lívio ! Esste sim, político integro, foi vereador, prefeito e deputado. Parlamentar convicto e orador culto, utilizava a palavra veemente e persuasiva como arma de convencimento; empolgava os ouvintes com suas arengas. Piedoso como poucos, dignidade e honestidade raras, morreu pobre, todavia.
Hoje substituíram a palavra honrada pela oferta de todo o tipo de compensação: comida, remédios, dentadura, carteira de motorista e até dinheiro; compram o voto, não é mesmo, senhor? !
Habilitação de motoristas! – exclamou desolado o taxista. E como estão desqualificados os condutores de hoje.
Todo mundo tem um automóvel!
Talvez seja esse o problema: excesso de veículos transitando. Há mais de uma hora que estamos neste trânsito sonolento.
Mulheres ao volante: perigo. Preconceito ou verdade? Preconceito. Sem preconceito não se pode julgar. Sem preconceito nos igualamos aos outros animais. Salve Ortega!
É preferível as mulheres, ditas burras, conduzindo veículos a homens mal-educados , mau humorados e apressados!
Pausa.
E como temos "doutores" candidatos! É Dr. Fulano, Dr. Sicrano,...nunca chegaram perto de uma pós-graduação, de um mestrado, quiçá de um doutorado; doutores em bulhufas ! – desabafa o taxista, reiniciando a conversa quando passam por um grande muro repleto de nomes de candidatos.
Utilizam-se do Dr; para impressionarem as pessoas humildes.
Lembro-me até de um caso: empresário por dote, X.P.T.O prestou o exame vestibular para Direito ao meu lado, na mesma sala. Eu, senhorita, aplicado, disciplinado, estudei, estudei e não logrei êxito. Ele, nos dias das provas, sentava dois ou três minutos, e pronto. Aprovado. Era público e notório que aquela Faculdade adotava critérios duvidosos de avaliação. Metade dos alunos eram aprovados por seus méritos; a outra metade por seus créditos.
Sinal fechado.
-- Fale-me mais acerca do Governador. Gosto dessas estórias de política; são engraçadas.
Qual nada, senhorita. Imagine que na velhice, com medo da chuva e do frio, o ex-Governador raramente saía de casa. Num dia como este, chuvoso e úmido, nunca. Preferia os lençóis. Lembro, entretanto, que à tarde de um dia ensolarado de primavera, conduzi-lhe à passeio. Percebi, então, pela sua voz, que estava muito doente: uma rouquidão persistente dominava sua vontade de falar, de conversar.
No início do passeio, sentado ao banco traseiro, permaneceu em silêncio, pensativo, exceto quando deteve-se em algumas rápidas observações irônicas: a de um grande comício acontecido, ao passar pelas barracas dependuradas à beira do rio da Ponte das Pedras e a de um marcante romance com uma viúva, às escondidas, claro, quando nos aproximamos da belíssima paisagem da ilhota da praia do Canto das Pedras.
-- Viúva?!
-- Não citou nomes.
-- Desculpe-me a indiscrição...continue, por favor!
-- Depois, na volta, num esforço extremo e com os olhos lacrimejantes, enquanto sua garganta resistiu, confidenciou-me trechos de sua larga trajetória pública. Campanhas vitoriosas, derrotas, discursos inflamados da tribuna da assembléia e da câmara. Amargurado, ao final, a porta de casa e já quase sem voz, despediu-se:
" -- Estou à morte, pressinto, meu caro Ângelo! Pobre e abandonado, é certo, porém, com dignadade ! Agora... veja eles! - acrescentou --, sim, veja eles, você sabe quem, ...quando precisavam de mim, os f.d.p. batiam à minha porta ..."
Mas é sempre assim!
-- Parti pensativo, depois de vê-lo entrar em casa, não entendendo como e por que um homem dotado de tantos atributos e virtudes pudesse estar naquela situação. Confortei-me, então, numa fuga literária, mas consciente, lembrando de uma frase do poeta, ao refletir o sentimento do exíguo tempo de nossa vida terrena: "Tudo passa, a fama fica."
Mas alguns políticos enriquecem rapidamente, não é mesmo senhor ? E o outro, quem era?
Ah, sim, Antonio Derfy Leidemann. Político sério, de comportamento rígido, enérgico, radical até, no julgamento de alguns de seus críticos adversários; porém, digno e decente. Valia-se da lei e da palavra honrada como suas poderosas armas de luta. Pagou caro, é verdade, pela defesa, valente e intransigente, que fazia dos direitos individuais, próprios e do cidadão comum, desassistido, Era um autêntico socialista.
" Esperem só quando nossos irmãos lá de cima, com fome e sede, descerem com foices e enxadas nas costas...Ah!" -- profetizava enigmático, referindo-se às crescentes dificuldades da maior parte da população, especialmente do cansado e sofrido povo nordestino.
-- No auge do seu discurso singular, os desabafos senhorita, restrito aos amigos mais próximos, sempre companheiros partidários fiéis, denunciava intrigas de alguns outros que queriam vê-lo longe do Partido,
-- Estão ansiosos para tomar o meu lugar -, concluía sincera e objetivamente. Descontraído, após suficientes dois goles de cerveja , nas raras vezes que freqüentava um bar , no verão, intitulava-se um anarquista. E defendia :
--" O sujeito é livre para fazer o que quiser; as ações e reações do indivíduo racional, responsável por seus atos, deve prevalecer sempre, respeitados , é claro, os direitos do outro, não? Boa noite!"
-- Disse-me que pouco antes de sua morte, desconsolado e melancólico, sentou-se à sombra da velha figueira da praça, solitário, como costumava sempre depois do almoço. À aproximação de um ciclista seu amigo, acenou-lhe gestos inquietos acompanhados de um assobio rápido, dando-lhe conta que portava notícia urgente:
"... eles me abandonaram, ... me abandonaram, ..." desabafou ao rapaz, depois de cumprimentá-lo rapidamente.
Mas quem eram "eles" ??
Quem?!?
A maioria das pessoas, senhorita, a maioria oscilante. Até Camões que...
Ah sim, desse eu me lembro de ter ouvido falar no meu tempo de estudante. Mas faz muito tempo!
Pois então , não viveu os últimos de seus dias socorrido por esmolas e morreu esquecido, internado em um hospital?
Coitado!
E a senhora, perdoe-me a indiscrição, o que tem lido?
Só revistas femininas, e ainda assim na cabeleireira ou no consultório do dentista ou do médico! Eu nunca li um livro sequer; agora então, não tenho tempo para nada. Outras coisas são mais importantes. E não é por falta de incentivo à leitura e de livros.
- " Outra daquelas pessoas que se importam apenas com a sua aparência, deixam-se enganar facilmente e abundam no mundo" - presumiu o homem, em pensamento.
Incentivo?
É. As visitas ao tio Gabriel Oslek resultam em muitos livros, porém...
- Seu tio é dono de livraria ?
Meu não, tio- avô de Adam! Gabriel Oslek, homem inteligente, dotado de acentuada capacidade intuitiva, tem uma pequena biblioteca, discreta mas muito organizada.
-- Imaginei que ...
Aposentado,vive lendo e pesquisando. Como pode? Adora meteorologia, direção dos ventos; faz e acerta algumas previsões do tempo. É divertido ! E que paciência!
Político?
Há muito tempo! Presidiu a câmara. Numa dessas legislaturas, testemunhei, recebeu a visita de um amigo, morador de um bairro distante , que reclamava mais espaço na direção dos destinos do seu partido: "" É inconcebível que companheiros do centro da cidade continuem a dirigir o partido. Nós, militantes da periferia, da esquerda, estamos descontes com isso. Exigimos mais cargos na executiva do partido." Hoje, recolhido e solitário , creio que um pouco desiludido, pois tem as cabras como as melhores amigas...
Esquerda, cabras?! Explique-me...
Dorme com elas até, num sítio não muito longe daqui. Imagine: sozinho, sem mulher nem filhos, morando com cabras! Muita sabedoria dá nisso...Deus me livre!
Dorme com as cabras ?! ...e seu marido?
Comigo!?! Ora senhor!
Não, não, o que ele faz? Desculpe-me ...
Desempregado. Depois de mais de vinte anos de trabalho numa empresa multinacional , foi demitido sem justa causa.
Desempregado depois dos quarenta...
Vive de ilusão! Aguarda, com outros funcionários, decisão da justiça numa ação de indenização movida sob alegação de danos à saúde.
Com sorte logrará êxito. Alguns juizes têm concedido, nesses casos, sentenças favoráveis aos trabalhadores. Outros, os patronais, atenderão aos interesses empresariais.
Quando se instalam essas empresas apresentam projetos faraônicos: meio ambiente preservado, baixo nível de poluição; prometem centenas de empregos diretos e indiretos. Impõem , ao poder público, isenção de impostos e muitos outros benefícios...
Falam de vagas de emprego como se fossem dádiva divina, quando, na realidade, o que buscam é o lucro máximo.
Capitalismo... aprendi como "dinheiro ganhando dinheiro"...
- Trabalho! Palavra excluída do dicionário de Adam.
Mas... seu marido não faz mais nada?! Parou , de repente? O ócio é ruim!
Qual nada. Quando não está bêbado e dormindo, Adam lê e escreve. Agora então que arranjou uma máquina de escrever, escreve, escreve, escreve e nunca sai daquilo, coitado. Dá pena ! A estória do" boi em cima de uma vela", ... a outra, da "mãe e filho que não votaram e quase perderam a casa", ..
Então ele...
Pois é tudo fruto da ociosidade dele. Não tenha dúvida. É um doido varrido e imagina-se um literato . Alguém já disse que de artista e de louco todo mundo tem um pouco, não é? Ele vive no mundo da lua!
Desemprego.... só se fala nisso. Deriva, creio, do capitalismo selvagem desvairado e desta economia globalizada, desastrada, avalizada pelo neo-liberalismo ufanista dominante, sob administração de apressados gerentes tecnicistas, influenciados por teorias econômicas utilitaristas...—conceitua ângelo.
É culpa desse Governo que aí está; desses políticos.
Dou-lhe razão! Pois, fortemente contestada pela maioria do povo, quando informalmente pesquisada, essa mesma política econômica recebe amplo apoio, quando oficialmente votada!. Só Deus sabe como! É o mal do final deste século.
- Veja aqui, senhor Ângelo, uma outra bobagem escrita por Adam. Leia por favor, pelo menos como passa tempo; com este trânsito parado não vamos sair daqui hoje.