Thursday, June 01, 2006

GATOS PARDOS (3)

DELÍRIOS NOTURNOS

“ Ninguém tem nada com a minha vida; bebo com o meu dinheiro!”

Eis seu retrato:

O rosto, pálido e inchado, desfigurado, engole os olhos castanhos- esbranquiçados, escondidos sob grossas sobrancelhas; alguns pêlos, raros, brotam à entrada do afilado nariz; a boca, banguela, cercada por lábios finos, rosados e ressecados, é guardada por um espesso bigode grisalho que se estende ao queixo ovalado..
“-- A malvada engorda e dá brilho! –“
O cabelo liso e grosso de sujeira, castanho ensebado, longo, à altura dos ombros, mantinha-o, contudo, sempre bem alinhado: o pente de osso, sempre à mão, exibia-o, orgulhoso, como a um troféu, único!
“-- Herdei de meu avô, moço de convés do Lenitnes, lembram? Carregado de navalhas, tesouras e pentes, encalhou nas pedras da ilha do Farol, depois de arrastado por uma forte tempestade que lhe partiu os cabos de amarração. Salvaram-se ele e este pente, só ! “
Nas mãos trêmulas, as unhas compridas, sujas e maltratadas, contrastavam com a grossa aliança dourada que adornava o dedo médio esquerdo e o enorme e reluzente anel de prata, em forma de caveira, quase degolando o vizinho indicador.
“-- Já deixei esta marca na cara de muita gente boa! O sargento M. Duvyll que o diga!”
Não mentia! Haviam-se prometido há tempos. O lento M. Duhyll, um guarda-roupas de dois metros de altura e quase cem quilos de gordura e músculos, destro, enfrenta o rapidíssimo canhoto Adam, magro com pouco mais de um metro e setenta de altura, em encontro casual noturno, na primeira curva depois da velha ponte, no caminho que leva ao Morro das Quebradas. Resultado: o sargento, nocauteado, foi atendido no Samdu,-- Serviço de Atendimento Médico de Urgência -- onde permaneceu em observação até o desaparecimento de uma estranha marca de caveira na parte inferior do queixo.
No peito, sobre a amarelada camisa de gola olímpica, antes branca, mangas compridas, Adam carrega um crucifixo feito em madeira escura, eterno símbolo de sua fé, ora, ainda, a derradeira esperança de uma vida eterna e melhor.
"-- Se Deus quiser, se Deus quiser" -- defende aos que lhe desejam melhor sorte. Desejos, desejos, nenhuma ação!
Nos pés, os dedos longos e finos sustentavam as sandálias de borracha, sempre da cor azul, ornando com a calça de brim desbotada.
Só uso calça americana e sandálias.
E assim os dias passam, iguais, na mesmice