Thursday, February 08, 2007


GATOS PARDOS ( 11 )

GATURAMO

Como de costume, ainda ressacado, o velhaco Ridlav Gat Uramo chegou ao boteco no começo da manhã e foi determinando:
dá uma gelada aí, tenente !
Indiferente e fingindo-se surdo, o velho balconista não atende e continua com o ouvido esquerdo grudado no empoeirado e ruidoso aparelho de rádio, um Pionner 1950 valvulado, autorizado a funcionar pelo Departamento de Correios e Telégrafos que, de cima do velho e enferrujado refrigerador, transmitia o noticiário local, sintonizado na única emissora de radio da cidade:
"Ninguém morreu" – anuncia ele aos seus clientes, depois de ouvir o comunicado do agente funerário.
Mais atenção; ouvido colado.
" Um único menino nasceu, !" - comunica exultante. "Outro filho do compadre Chico, coitado." – lamenta, ao conhecer o nome do pai da criança.
" Prestem atenção; vai falar o delegado" – anuncia respeitoso o balconista, aumentando o volume do rádio.
" Finalmente, preso em flagrante, ainda quando descia do ônibus, vindo da capital, o meliante John GONSSA, perigoso ladrão de galinhas. Desta vez ele vai mofar no xadrez! " - informa com voz mansa o experiente agente policial.
-- Crucificai-o !! – ouve-se de todos.
Gaturamo, entretanto, mestre na arte da dissimulação, representação e da lorota estéril e fácil, utiliza a eficiente estratégia da conversa fiada: escolhe um assunto polêmico do momento—o homem pisou na lua ou não? - e alimenta a discussão, contrariando , sempre, no início, a opinião da maioria das pessoas presentes, gente simples e de espírito fraco, subjugada até, conformada à situação presente.
-- Claro que sim – opina com firmeza Greites Vassil, guarda-mor aposentado , neto de escravos --.
Eu vi pela televisão. Até fincaram uma bandeira!?
-- Eu não creio – discorda contrariado o pescador Johan Margarida, -
Acordei às quatro da manhã e perdi meu tempo e meu sono; não vi ninguém caminhando por lá. É tudo mentira.
-- Deus não permitiria tal coisa – diz Adriano Bentes, católico fervoroso, descendente de imigrantes eslavos, servente de pedreiro.
-- Eu com isso! Quero mais é que se f... – conclui sem terminar a expressão, Charlles Orlando von Peytton , leão de chácara de salão, já embriagado àquela hora do dia..
" Quanta inocência! Como é fácil lográ-los, estúpidos! – acompanha sorrindo, em pensamento, o mediador.
Observador, paciente e ardiloso, Gaturamo conduz a conversa ao seu feitio, transigindo, fingido, ao perceber a eficácia de seu golpe.
Vencido, o balconista atende o pedido do manhoso: dois toques de abridor no gargalo, outro na tampinha e pronto: a primeira garrafa, de uma série delas, está aberta.
Servido e acomodado, Gaturamo percebe dois homens conversando entre si, numa linguagem estranha, sentados a uma mesa de canto, obviamente alheios à discussão. Marujos estrangeiros, ali, eram presença comum, dada a proximidade do cais do porto de uma cidade portuária, pequena. "Vou enganar esses gringos f.d.p.", fala baixinho, para ele mesmo.
Aproxima-se e inicia o diálogo:
-- Where do you live! - pergunta num inglês aprendido na beira do cais.
-- Russian. I am Valery and this is my friend Bolkanov.- responde o mais velho, gordo e bigodudo, nomeando o companheiro mais jovem, olhos azuis atentos, que timidamente esboça um sorriso simpático.
--
Please to meat you! Welcome to Brasil!
-- Brasil is a country very, very good... beautyfull. I like to Brazil. Womans, carnaval, football, very, very good!
Os dois russos estavam felizes por estar outra vez no Brasil e alí naquela mesa, àquela hora, bebendo vinho tinto suave, quente, apesar do forte calor que fazia. Haja estômago! Valery, o mais espevitado, não se cansava de repetir, por meio de gestos encenados, que no seu país era comum um encontro de amigos, num bar, terminar em disparos.
-- Pum, pum, pum – denunciava ele, demonstrando com o dedo indicador da mão direita, direcionado ao amigo Bolkanov.
-- No inteligentes, no inteligentes – afirmava sorrindo, concluindo a cena com um sopro na ponta do dedo indicador.
-- Here no. Here finisch in big porre! - comemora nosso interprete Gaturamo.
--
Pooorrrreee?!?!??!?
Breve pausa.
-- I have pau-d’água! – diz Gaturamo, interrompendo o silêncio.
-- Quem gosta de pau-d’água são os coreanos; fazem perfume dele! – intervém o balconista, já levemente anestesiado por alguns goles de cachaça e cerveja, com ares de experiência no assunto.
--
Gato, ...cachorro, então?
-- Filipinos! O filipinos é que gostam de cachorros – comenta outra vez o homem do balcão, sob os olhares desconfiados dos estrangeiros e risos contidos dos nativos.
-- Puta com lã!?
-- What??
Conta a estória do dinamarquês bêbado que dormiu com a Sandrinha Cobra , garçonete do Bar do Capitão: " O marujo percebe a falta dos pentelhos da prostituta, raspados em face de uma camaçada de chatos, e pergunta incrédulo:
--
Where is hair? flue?
-- O quê? –
Lana! Lana....
Ah, a lâ! Aqui?!
-- Yes, Yes!
grita ela –
afinal tu veio aqui prá foder ou prá fazer tricô?!
Risada geral; menos dos dois visitantes que se despedem pensativos, sem entender nada.
Gaturamo, então, oportunista como sempre, manda pendurar a conta, mais uma vez, e, à francesa, vai-se embora.
Pelo caminho nem percebe o início da chuva, trazida pela já forte ventania berrante, prenúncio de mais uma trovoada de final de verão.
Cada pingo é um pote...! Eu sabia, quando o pássaro pernalta canta no mangue, ao sul ... é chuva na certa! - previne e provoca , em voz alta, a tagarela e ora barriguda mulher do velho marinheiro surdo, nitidamente grávida, enquanto sacava algumas peças de roupa que secavam ao varal, notando a passagem do vizinho embriagado.
Cuida... do... teu marido... aquele... - devolve o transeunte, com dificuldades, sem dar muita trela, gesticulando com uma das mãos espalmada à cabeça. Chifres!
" Ainda dizem que é só ela passar perto das cuecas dele para engravidar...! Mas que tolice! – resmunga, seguindo seu caminho. -- "
Todas as tardes, enquanto o marido dá um duro no trabalho para ganhar uns poucos caraminguás, ela, autora da célebre afirmação que " vagina não foi feita para guardar café nem farinha", recebe um convidado para comer sua cuca de banana. E segue na sua rabugice: Ao corno não basta apenas um cão de guarda. Há que ter muita sorte e uma bela espingarda, dizia sempre Benjamim, o caçula dos irmãos Simeone, em liberdade condicional e com experiência no assunto. Afinal, no segundo casamento, acumulando decepções, do amigo amante e da esposa infiel, mandou chumbo nos três...dois! três mesmo; no cachorro também! Aí também já é demais, - continuou resmungando, aos tropeções, mas avançando; aos trambulhões, mas avançando; com fome, mas avançando...na escuridão, mas avançando.
Há limites
Já perto de casa:
Pronto - comemorou, ao botar os pés no pontilhão, levantando o braço direito, como de hábito, desde que mudou-se para aquela pequena casa com quatro cômodos, de madeira e nunca pintada, onde vivia feliz com mamãe Beatriz.
Quase dez da noite e Gaturamo não chegava; como todas, atarantada com o atraso do filho , a mãe começa a se preocupar:
-- "o que teria acontecido com meu filho ? Onde teria se metido até aquela hora, meu Deus?" - pergunta aturdida às paredes.
Sem resposta , saiu desatinada, chorando já, repetindo aos quatro ventos:
Alguém viu meu filho ? Não viram meu filho, gente ? Alguém o viu! Não é possível alguem desaparecer assim...
Chega até a esquina e se apavora com o bar fechado.
-- Deus do céu, ajudai-me! - implora ajoelhada e aos prantos , antes de regressar desiludida, fazendo promessas a todos os seus santos de devoção.
Um deles ouviu!
Filho ?!! -- Todo molhado... machucado, coitado ... obrigado meu Santo Antônio -- constata agradecida, ao entrar pela porta da cozinha.
Em frente ao fogão, mantido aquecido para secar as cambiras penduradas no fumeiro, sentado no monte das achas de lenha, assustado, ele limpava os braços sujos de lama e ralados, enquanto, trêmulo, se aquecia.
-- A culpa foi do galho, mamãe !
-- Mas que galho, filho ?! Não estou entendendo!? Vou fazer um café bem quente...—
atalhou piedosa a velha senhora.
--
No meio daquela ventania, ergui as mãos e não encontrei o ... maldito galho!!
-- Quer me explicar que diabos de galho é este, menino!?
– diz a mãe, atiçando a brasa, exigindo mais detalhes.
-- Da goiabeira, mamãe, da goiabeira lá do pontilhão !! era só pisar na primeira tábua ... lembra? se agarrar no galho e atravessar. Lembro que pisei e ... -- continuou se explicando.
--
e ficou todo esse tempo no fundo da vala !! Sorte que estamos na lua minguante e a maré não sobe, senão, ...podia ter morrido, meu filho!
-- é, ... acordei rodeado de sapos!-
conformou-se o rapaz.
Fora traído pelos galhos da goiabeira, que avançavam sobre os apodrecidos dormentes do estreito pontilhão, desviados pelo vento forte da trovoada vespertina.

Teve seu dia de Tântalo.



GATOS PARDOS ( 10 )


O respeito


Domingo à tarde, céu cinzento, vento forte e esquisito, sorridente(?) e resmungando, à pé, como sempre, vai passando o Alfredo:
O Souza me conhece. Só vou prá cidade receber a minha aposentadoria. Passo lá e tomo a minha cerveja! Pago à vista. Não devo nada a ninguém.
Pára e ensaia alguns passos de samba .
. Sou bom é na malacacheta!. Tenho uma lá em casa !!
A felicidade é tal que não cabe toda dentro dele. Veste uma camisa azul-clara, límpa e bem passada, "lavada com sabão-azul da Dona Teresa" diz, onde, acrescenta, " compro o feijão novo, a farinha torrada e o açúcar refinado.""
Orgulhoso, mostra a calça e o cinto, acizentados, e o gorro branco de marinheiro. O sapato preto, de tão brilhoso, reflete os poucos raios de sol que ainda persistem e completa o uniforme militar.
Sonho frustrado ou protesto inconsciente ?
Num repente, arnelas à mostra , assusta quase cantando:
-- Mas nunca faltei com respeito a ninguém, moça !!
E continua, quer mais conversa:
-- Papai me deixou muita terra! Homem bom! Nela planto couve daquela verdinha, sabe ? Aipim...cebola, planto de tudo ... na lua certa !
Agora, dança e resmunga. Algo sobre "um batuque no trapiche do Santista," sabe-se lá quando.!
-- Mas nunca faltei com respeito a ninguém, não! - acrescenta com suavidade quase musical.
-- Quanto anos Alfredo ?
-- Mais de setenta - devolve, convicto e vaidoso.
Mora sozinho no Beco, segundo poste à esquerda.
-- Durmo cedo; acordo às quatro, sempre - revela aos pulos, exultante. E diz mais:
-- Preciso arranjar uma mulher... mas tem que olhar muito bem -- confessa duvidoso, pensativo.
Alguém se habilita ?
-- Mas nunca faltei com respeito a ninguém, não senhor !! insiste com um sorriso nervoso.
O sueste aperta anunciando chuva para logo.
Provoco, então, acerca das duas canetas que carrega no bolso da camisa.
-- Tenho um caderno cheio de músicas... que eu mesmo faço ...tem a do caranguejo, quer ver ? -- impacienta-se.
-- É mesmo Alfredo!! ?
Nas suas mãos logo aparece uma caixa de fósforos e na ponta da língua:
-- " Brigaram o siri e o caranguejo
Brigaram até sair sangue
O siri mora no mar
O caranguejo mora no mangue
Caranga !!!"
E arremata, firme:
_ Mas nunca faltei com respeito a ninguém, não !!
Tímido, nem se despede; abre o guarda-chuvas e vai embora.. Para onde ?
Até breve capitão.
Mirem-se, afilhados do CAP e Sobrinhos do Capitão; cuidem-se Capitães de A a Z!!!
-- Que lhe parece este Alfredo?
-- Expressão oportuna e natural dos sentimentos do homem. Uma mensagem do pensamento de alguém que passou muito tempo observando o comportamento das pessoas , o cotidiano, às vezes... ei! por pouco aquele carro cinza não me bate!
-- Por sorte ! Parecia um louco ao volante.





GATOS PARDOS (9)


Os políticos


Ah, os políticos! Quantas estórias... eu mesmo, senhorita, conheci dois rivais, adversários renhidos, mas decentes e merecedores de breve comentário . Ah!, a decência!
De político ouvi falar de um tal José Maria Wellnutring!?
Não me lembro desse nome.... mas nem merece ser lembrado, ao que me parece, não?. – diz Angelo.
Imagine.
Bento Lívio ! Esste sim, político integro, foi vereador, prefeito e deputado. Parlamentar convicto e orador culto, utilizava a palavra veemente e persuasiva como arma de convencimento; empolgava os ouvintes com suas arengas. Piedoso como poucos, dignidade e honestidade raras, morreu pobre, todavia.
Hoje substituíram a palavra honrada pela oferta de todo o tipo de compensação: comida, remédios, dentadura, carteira de motorista e até dinheiro; compram o voto, não é mesmo, senhor? !
Habilitação de motoristas! – exclamou desolado o taxista. E como estão desqualificados os condutores de hoje.
Todo mundo tem um automóvel!
Talvez seja esse o problema: excesso de veículos transitando. Há mais de uma hora que estamos neste trânsito sonolento.
Mulheres ao volante: perigo. Preconceito ou verdade? Preconceito. Sem preconceito não se pode julgar. Sem preconceito nos igualamos aos outros animais. Salve Ortega!
É preferível as mulheres, ditas burras, conduzindo veículos a homens mal-educados , mau humorados e apressados!
Pausa.
E como temos "doutores" candidatos! É Dr. Fulano, Dr. Sicrano,...nunca chegaram perto de uma pós-graduação, de um mestrado, quiçá de um doutorado; doutores em bulhufas ! – desabafa o taxista, reiniciando a conversa quando passam por um grande muro repleto de nomes de candidatos.
Utilizam-se do Dr; para impressionarem as pessoas humildes.
Lembro-me até de um caso: empresário por dote, X.P.T.O prestou o exame vestibular para Direito ao meu lado, na mesma sala. Eu, senhorita, aplicado, disciplinado, estudei, estudei e não logrei êxito. Ele, nos dias das provas, sentava dois ou três minutos, e pronto. Aprovado. Era público e notório que aquela Faculdade adotava critérios duvidosos de avaliação. Metade dos alunos eram aprovados por seus méritos; a outra metade por seus créditos.
Sinal fechado.
-- Fale-me mais acerca do Governador. Gosto dessas estórias de política; são engraçadas.
Qual nada, senhorita. Imagine que na velhice, com medo da chuva e do frio, o ex-Governador raramente saía de casa. Num dia como este, chuvoso e úmido, nunca. Preferia os lençóis. Lembro, entretanto, que à tarde de um dia ensolarado de primavera, conduzi-lhe à passeio. Percebi, então, pela sua voz, que estava muito doente: uma rouquidão persistente dominava sua vontade de falar, de conversar.
No início do passeio, sentado ao banco traseiro, permaneceu em silêncio, pensativo, exceto quando deteve-se em algumas rápidas observações irônicas: a de um grande comício acontecido, ao passar pelas barracas dependuradas à beira do rio da Ponte das Pedras e a de um marcante romance com uma viúva, às escondidas, claro, quando nos aproximamos da belíssima paisagem da ilhota da praia do Canto das Pedras.
-- Viúva?!
-- Não citou nomes.
-- Desculpe-me a indiscrição...continue, por favor!
-- Depois, na volta, num esforço extremo e com os olhos lacrimejantes, enquanto sua garganta resistiu, confidenciou-me trechos de sua larga trajetória pública. Campanhas vitoriosas, derrotas, discursos inflamados da tribuna da assembléia e da câmara. Amargurado, ao final, a porta de casa e já quase sem voz, despediu-se:
" -- Estou à morte, pressinto, meu caro Ângelo! Pobre e abandonado, é certo, porém, com dignadade ! Agora... veja eles! - acrescentou --, sim, veja eles, você sabe quem, ...quando precisavam de mim, os f.d.p. batiam à minha porta ..."
Mas é sempre assim!
-- Parti pensativo, depois de vê-lo entrar em casa, não entendendo como e por que um homem dotado de tantos atributos e virtudes pudesse estar naquela situação. Confortei-me, então, numa fuga literária, mas consciente, lembrando de uma frase do poeta, ao refletir o sentimento do exíguo tempo de nossa vida terrena: "Tudo passa, a fama fica."
Mas alguns políticos enriquecem rapidamente, não é mesmo senhor ? E o outro, quem era?
Ah, sim, Antonio Derfy Leidemann. Político sério, de comportamento rígido, enérgico, radical até, no julgamento de alguns de seus críticos adversários; porém, digno e decente. Valia-se da lei e da palavra honrada como suas poderosas armas de luta. Pagou caro, é verdade, pela defesa, valente e intransigente, que fazia dos direitos individuais, próprios e do cidadão comum, desassistido, Era um autêntico socialista.
" Esperem só quando nossos irmãos lá de cima, com fome e sede, descerem com foices e enxadas nas costas...Ah!" -- profetizava enigmático, referindo-se às crescentes dificuldades da maior parte da população, especialmente do cansado e sofrido povo nordestino.
-- No auge do seu discurso singular, os desabafos senhorita, restrito aos amigos mais próximos, sempre companheiros partidários fiéis, denunciava intrigas de alguns outros que queriam vê-lo longe do Partido,
-- Estão ansiosos para tomar o meu lugar -, concluía sincera e objetivamente. Descontraído, após suficientes dois goles de cerveja , nas raras vezes que freqüentava um bar , no verão, intitulava-se um anarquista. E defendia :
--" O sujeito é livre para fazer o que quiser; as ações e reações do indivíduo racional, responsável por seus atos, deve prevalecer sempre, respeitados , é claro, os direitos do outro, não? Boa noite!"
-- Disse-me que pouco antes de sua morte, desconsolado e melancólico, sentou-se à sombra da velha figueira da praça, solitário, como costumava sempre depois do almoço. À aproximação de um ciclista seu amigo, acenou-lhe gestos inquietos acompanhados de um assobio rápido, dando-lhe conta que portava notícia urgente:
"... eles me abandonaram, ... me abandonaram, ..." desabafou ao rapaz, depois de cumprimentá-lo rapidamente.
Mas quem eram "eles" ??
Quem?!?
A maioria das pessoas, senhorita, a maioria oscilante. Até Camões que...
Ah sim, desse eu me lembro de ter ouvido falar no meu tempo de estudante. Mas faz muito tempo!
Pois então , não viveu os últimos de seus dias socorrido por esmolas e morreu esquecido, internado em um hospital?
Coitado!
E a senhora, perdoe-me a indiscrição, o que tem lido?
Só revistas femininas, e ainda assim na cabeleireira ou no consultório do dentista ou do médico! Eu nunca li um livro sequer; agora então, não tenho tempo para nada. Outras coisas são mais importantes. E não é por falta de incentivo à leitura e de livros.
- " Outra daquelas pessoas que se importam apenas com a sua aparência, deixam-se enganar facilmente e abundam no mundo" - presumiu o homem, em pensamento.
Incentivo?
É. As visitas ao tio Gabriel Oslek resultam em muitos livros, porém...
- Seu tio é dono de livraria ?
Meu não, tio- avô de Adam! Gabriel Oslek, homem inteligente, dotado de acentuada capacidade intuitiva, tem uma pequena biblioteca, discreta mas muito organizada.
-- Imaginei que ...
Aposentado,vive lendo e pesquisando. Como pode? Adora meteorologia, direção dos ventos; faz e acerta algumas previsões do tempo. É divertido ! E que paciência!
Político?
Há muito tempo! Presidiu a câmara. Numa dessas legislaturas, testemunhei, recebeu a visita de um amigo, morador de um bairro distante , que reclamava mais espaço na direção dos destinos do seu partido: "" É inconcebível que companheiros do centro da cidade continuem a dirigir o partido. Nós, militantes da periferia, da esquerda, estamos descontes com isso. Exigimos mais cargos na executiva do partido." Hoje, recolhido e solitário , creio que um pouco desiludido, pois tem as cabras como as melhores amigas...
Esquerda, cabras?! Explique-me...
Dorme com elas até, num sítio não muito longe daqui. Imagine: sozinho, sem mulher nem filhos, morando com cabras! Muita sabedoria dá nisso...Deus me livre!
Dorme com as cabras ?! ...e seu marido?
Comigo!?! Ora senhor!
Não, não, o que ele faz? Desculpe-me ...
Desempregado. Depois de mais de vinte anos de trabalho numa empresa multinacional , foi demitido sem justa causa.
Desempregado depois dos quarenta...
Vive de ilusão! Aguarda, com outros funcionários, decisão da justiça numa ação de indenização movida sob alegação de danos à saúde.
Com sorte logrará êxito. Alguns juizes têm concedido, nesses casos, sentenças favoráveis aos trabalhadores. Outros, os patronais, atenderão aos interesses empresariais.
Quando se instalam essas empresas apresentam projetos faraônicos: meio ambiente preservado, baixo nível de poluição; prometem centenas de empregos diretos e indiretos. Impõem , ao poder público, isenção de impostos e muitos outros benefícios...
Falam de vagas de emprego como se fossem dádiva divina, quando, na realidade, o que buscam é o lucro máximo.
Capitalismo... aprendi como "dinheiro ganhando dinheiro"...
- Trabalho! Palavra excluída do dicionário de Adam.
Mas... seu marido não faz mais nada?! Parou , de repente? O ócio é ruim!
Qual nada. Quando não está bêbado e dormindo, Adam lê e escreve. Agora então que arranjou uma máquina de escrever, escreve, escreve, escreve e nunca sai daquilo, coitado. Dá pena ! A estória do" boi em cima de uma vela", ... a outra, da "mãe e filho que não votaram e quase perderam a casa", ..
Então ele...
Pois é tudo fruto da ociosidade dele. Não tenha dúvida. É um doido varrido e imagina-se um literato . Alguém já disse que de artista e de louco todo mundo tem um pouco, não é? Ele vive no mundo da lua!
Desemprego.... só se fala nisso. Deriva, creio, do capitalismo selvagem desvairado e desta economia globalizada, desastrada, avalizada pelo neo-liberalismo ufanista dominante, sob administração de apressados gerentes tecnicistas, influenciados por teorias econômicas utilitaristas...—conceitua ângelo.
É culpa desse Governo que aí está; desses políticos.
Dou-lhe razão! Pois, fortemente contestada pela maioria do povo, quando informalmente pesquisada, essa mesma política econômica recebe amplo apoio, quando oficialmente votada!. Só Deus sabe como! É o mal do final deste século.
- Veja aqui, senhor Ângelo, uma outra bobagem escrita por Adam. Leia por favor, pelo menos como passa tempo; com este trânsito parado não vamos sair daqui hoje.

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