Sunday, February 11, 2007

GATOS PARDOS ( 15 )

VOYEURISMO

Durante o jantar conversaram acerca da gravidez, do encontro inesperado com Ângelo e sobre a recente mudança de comportamento da sobrinha que trabalhava um dia e faltava outro.
Naquela noite Adam perdeu o sono de vez. A gravidez de Eva, a dor nas costelas, ... começou então a lembrar da infância e adolescência. Angelo não morava longe. Sempre brincavam juntos, sempre. No verão, divertiam-se com freqüência no quintal da casa do amigo. Ah! os cascos dos caranguejos cozidos, comidos nas festas de final de ano, representavam os peles-vermelhas dos filmes americanos em cartaz, cercados e massacrados pelos carros de latas de leite ninho vazias , os soldados cara-pálidas.
Depois da brincadeira de "peca à vera, último", ou da do "camone", fortemente armados com revolveres feitos com as raízes do jasmim, no meio da tarde, exaustos e com fome, pulavam a velha cerca de arame do pomar da Dona Lourdes, para "roubar" jambos, cambucás e carambolas.
Outras vezes, sorrateiros, juntavam as folhas secas do único pé de figo cultivado pelo velho Toflor Hermann. Moídas, eram misturadas aos cigarros, comprados avulsos, fumados às escondidas nas habituais rodadas , sob a ponte da estrada de ferro, ao anoitecer. Davam-lhes aroma especial, acreditavam.
E a "revirada" do lixo ! no meio da manhã das sextas-feiras estavam todos apostos no depósito de lixo municipal, entre o mar e o rio. Quando, sob arrufos, o velho carroceiro abria as laterais da caçamba, despejando o lixo recolhido dos ricos residentes no centro da cidade, acirrava-se a disputa entre os falantes meninos com suas varas de aroeiras-da-praia e os bicos dos esfomeados urubus grasnantes, na luta pelo melhor lote. Estes, brigavam por suas carniças. Aqueles, à procura de livros, gibis, canivetes ou algo para brincar ou até comer! isso mesmo! até comer: laranjas, cocos... Prenúncio de reciclagem ?
Como ainda não haviam aprendido a leitura, o zorro, o fantasma, o pato donald, entre outras revistas, eram folheadas ali mesmo, sobre a areia da praia, o limite do mar!
E claro que se seus pais desaprovavam aquilo tudo; a cada descoberta, uma surra. Muitas surras!
Mas o Ângelo nunca apanhava. Que sujeito de sorte ! E já quando moço, quinze para dezesseis anos, todo ano ganhava uma bicicleta nova !!
E mais: só trajava camisa "banlom" e calça de "naicrom". Nos pés, como ele mesmo exibido dizia, " só sapatos terra". Claro que causava inveja a todos os amigos do bairro. Não estudava e nem trabalhava. " quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro", filosofava quando perguntado de onde trazia o dinheiro que apostava e quase tudo perdia, no único jogo que se aventurava, a sinuca.

Enquanto alguns rapazes, os mais obedientes, embrenhavam-se na mata ou no mangue em busca de lenha, o indispensável combustível para o fogão de cozinha, ele não. Sentava nas cercanias da ponte da estrada de ferro, à espera dos vagões da composição mista do trem , liderada pela velha "maria fumaça".
E nessa vigília, quase sempre experimentava uma ingênua(?) masturbação, não raramente compartilhada e disputada com outros amigos e só interrompida pelos apitos do trem que se aproximava.
"--- joga lenha ! joga lenha!" – gritavam e pediam, insistentes, aos foguistas e maquinistas que, educada e pacientemente, rolavam alguns troncos de lenha ao longo da estrada de ferro.
As lembranças atenuaram mas não foram suficientes para cessar as dores nas costas, causadas pelo tombo vespertino, levando-o , já no meio da madrugada, a buscar socorro na farmácia caseira do itajer da sala.
Contida a dor, mas sem sono, Adam lembrou-se ainda das tardes de domingo quando se ajuntavam debaixo da mesa da sala da familia do vizinho Antonio da Gracia ,dona do único aparelho de TV, em preto e branco, do bairro para assistirem o programa Jovem Guarda. Aproveitou o restante daquela madrugada escrevendo, pois, afinal, agora quando havia conquistado seu primeiro leitor, não poderia desapontá-lo, jamais
!

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