Tuesday, November 15, 2005

Restam os plânctons

Com a conta de luz vencida há uma semana, nem a chuva fina do meio-dia, trazida pela lestada persistente, muito comum no litoral barriga-verde nesta época de primavera no hemisfério sul, me intimidou naquela segunda-feira.
Muito menos o corajoso ambulante que puxava a pequena carroça de duas rodas, uma espécie de “gaiola” gigante, sem portas, cercada de telas de arame. Dentro dela, atrás, em pé, recostado numa peça de compensado naval pintado em azul e verde, única parede do veículo em madeira, além do assoalho amarelo, e onde se lia em letras brancas e grandes, SIGA JESUS, trazia uma criança encapuzada e triste.
Avistei-os estacionados à beira da praia urbana, em frente ao velho casarão dos noruegueses , no final da antiga rua dos Pescadores.
-- Pai, tenho sede e fome – diz a pequena e tímida criatura, com uma voz trêmula.
Ato contínuo o homem de meia-idade, paciente, trajando bermuda jeans e sem camisa, calçando sandálias de dedo, todo encharcado, saca um....PÃO e reparte-o com o filho:
-- Toma, é o almoço! – diz estendendo um pedaço do alimento.
Retoma a puxada.
Ouço:
-- Sou testemunha! – grunhe o grande pássaro preto do oceano que perto dali pescava, antes de mergulhar por alguns segundos.
-- Poucos têm bastante; muitos, pouco têm ! – continuou o pescoçudo mergulhão, desolado, voltando à superfície sem um único peixe no enorme bico amarelado.
Outro mergulho: 1, 2, 3, 4,... 8,... 16,... 32...um minuto...1, 2, 3, 4,... 8...12, ... um minuto e doze segundos depois...
-- Ufa !!, me afogo neste mar de lama e nada encontro prá comer. Antes, aqui mesmo no raso, à vau, peixes e camarões se multiplicavam. Hoje....saco plástico, filtro de cigarro...garrafas – diz o vivente marinho.
-- Restam os plânctons, arrisco.
Vôo rasante.
A chuva dá uma estiada.
Sigamos!

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