Sunday, June 24, 2007

VAU (19)

COMPANHEIROS ,LÁ E CÁ.

Cá, saía de casa bem cedo.
No caminho, ainda com sono, ADAM espantava o medo da escuridão chutando as pedras topadas como se fossem as bolas de meia das "peladas" de rua. Dormia e comia futebol. Sonhava com uma bola de couro. Sonhava ser um craque. Sonhava...." Vestir uma camisa numerada, qualquer número, desde que de atacante. Nos pés, um par de chuteiras novinhas...não, não precisava tanto! Domingo à tarde, na estréia, estádio lotado, o confronto com o rival. Partida dura, disputada renhidamente até que, no final do jogo, ainda empatado em zero a zero, a bola é lançada da intermediária, pelo alto, em direção à área adversária: o zagueiro central sobe e não acha nada; ela então, sobra limpa para o estreante que, num voleio de pé esquerdo, acerta o ângulo superior direito, lá onde a coruja dorme.

Sonhava, sonhava... e sonhou que:
Assim como era no princípio, acredite, o rei de plantão diz que reza e determina como e quando seus súditos devem também rezar: de joelhos, por todos os séculos!
-- Mas Vossa Majestade nem sempre esteve sóbrio!, grita de longe, um maluco pintor de quadrados animados, durante a prédica dominical matutina.
-- O que tem a dizer aquele pobre homem, pergunta o coroado ao ajudante de ordens sentado à sua direita, enquanto a multidão, entre murmúrios e risos, se dispersa.
-- Esqueça-o meu senhor! Ele não sabe o que diz. Embriagou-se e...
-- Interrompe nossas preces?! Ousado!! Tragam-no à minha presença!
Dia seguinte, à tarde, em palácio.
-- Que disse ontem o vulgar homem?
-- Não tenho dormido, realeza.
-- E eu com isso... um rei não se intromete no sono do seu povo. Quando muito, preocupo-me com a fome... e por favor trate-me por Senhor.
-- Pois bem, senhor... reclamava eu da sirene da ambulancia que transporta os doentes ao hospital.
-- Ora, ora, pobre homem. Não me culpe por alarmes e sirenes. Companheiro Barroso!,
-- Sim, Alteza -, se apresenta apressado o baixote de cabelos e bigodes brancos, responsável pela saúde do reino.
-- Ouçamos o relato do contribuinte.
-- Sou todo ouvidos, majestade!
-- Não compreendo, senhores, iniciou o reclamente, por que, no transporte dos doentes, a carruagem real assusta-nos com o som da sua sirene? É que.... que...
-- Continue
-- Minha tenda está muito perto do caminho percorrido pela carruagem e então...à noite, tarde da noite, nas madrugadas...
--- Explique-se Visconde Barrão.
-- Barroso, Alteza, Visconde Barroso. Não se pode dar atenção a reclamações absurdas como essa, meu Rei.
-- Meu Rei?!?
-- Perdão Majestade... mas a sirene é acionada para anunciar a chegada do veículo ao hospital... médicos e enfermeiros têm que se preparar para o atendimento.
-- Há que se anunciar, também, senhor Visconde, todas as novas carruagens adquiridas desde o começo do meu reinado, ora bolas!
-- Tudo bem, tudo bem senhores, há que se mostrar ações e aquisições, concordo. Agora, preparar atendimento médico acionando sirenes ao se aproximar do hospital?? Por que não se comunica a ocorrência, o nome do paciente, etc, etc, desde a origem, através de celular...
-- Celular?!?!?
-- Querem me dizer, então, que os atendentes não recebem qualquer informação acerca do atendimento?
-- Lóoogico!
-- Até logo, senhores!
-- Jogamos palitos, senhor Visconde?
Lona.
Êpa ... cadê o Búke ? Buuuukeee!? Búuuuukeeee?!
Preguiçoso, o velho cachorro acorda. Ele também.
Juntos, lado a lado, avançam agora empoeirados em direção ao açougue do Robert, compartilhando felicidade: o menino cantarolando; o cão, o rabo abanando.
Não demora, cruzam com Quarto e Quinto voltando do SAMDU, onde certamente madrugaram buscando socorro médico urgente para suas doenças incuráveis.
Murmúrios desconfiados e olhares atravessados contrastam com lambidas e latidos amistosos.
Tossindo muito, fraco e fanho, Quarto se lamentava:
-- O doutor me deu uns remédios para tomar antes do almoço e da janta. Mas, tu já viu pobre almoçar e jantar ?!
-- Isso não é nada - contrariava mansamente o ofegante Quinto, escorado em sua estimada bicicleta, uma Göricke importada - pois anteontem meu coração não parou bem ali na descida do morro da Kokoh !? E olha que só voltou a bater lá por perto da ponte Branca...!! Uma curva e oitocentos metros depois!
Sem comida e sem sorte na vida; nenhuma respiração nem batimentos, haja pulmão e coração. Haja vida ! Foram-se.

Dois prá lá, dois prá cá; perdão Elis.
-- Seu Betinho, Seu Betinho, me dá vinte de carne !
Ressaca braba e mal humor nas grimpas, o gordo açougueiro joga a "paleta" no prato da balança, forrada com folhas de caetê, provocando:
-- Carne embrulhada com papel... só carne de primeira ! Só carne de rico !!
Divino e saudoso caetê. Enfolhava e limpava.
Búke não perde a viagem. Ganha seu osso.
O menino e o cão repetem a caminhada quase sempre. Exceto aos domingos. Afinal, domingo é dia de comer frango. Daquele de quintal, que garimpa e belisca.
Lá, chegaram ao céu merecido.
Cá, ao açougue.
Amanhecidos!
Capítulo Três

VAU ( 18 )

TEMPO FINAL

Farinha pouca, meu pirão primeiro!


Na volta de um passeio desses de final de semana, quando passava por um mercadinho de beira de estrada, Adam lembrou-se da mãe.
--" Encontrando uma farinha boa, não esquece!"
Parou o carro no acostamento buscando atravessar a movimentada rodovia, notando, ao longe, uma viatura da Polícia Rodoviária estrategicamente estacionada.
-- A Polícia vai deduzir que paramos com receio dela ! - concluiu Eva, que o acompanhava.
-- Por quê ?!
--! Porque suspeitarão de algo errado, ora bolas !! Olha.... lá vêm eles.... me deixa sair daqui !
– gritou a mulher desesperada.
-- Vamos indo, sem medo. O medo é o azar da vida! Logo à frente , depois daquela curva, tem outro mercadinho... - insiste o teimoso.
E vão em frente.
-- Pára ........ ! Pára...eles vêm aí atrás...
Com efeito, depois de poucas centenas de metros, perseguidos e perseguidores param , um atrás do outro, à porta de um botequim atendido por duas assustadas mulheres que, da varanda, confortavelmente sentadas, testemunharam o final daquela perseguição.
Sem pressa, simulando calma, Eva, instruída pelo marido, desce do veículo e inicia conversa com as atendentes, agora espavoridas.
No carro da Polícia, pelo retrovisor, Adam. avista dois vigilantes. Um deles, o motorista, desce e avança resoluto na sua direção , enquanto o outro, precavido, atrás da porta aberta, e de arma apontada, permanece dando cobertura.
Fingindo distração, o fujão ouve do policial :
-- Boa tarde... Documentos do veículo, por favor ! O senhor devia ter parado.. .
-- Eu...?! Onde...? Boa tarde... Não entendi. Aqui estão...
-- Como não entendeu ? Então o senhor não percebeu quando pedimos que parasse ?? O senhor arriscou-se muito!
-- É verdade que notei seus gestos. Mas, ... como eu não havia cometido qualquer infração continuei.
-- De fato, o senhor não cometeu infração. Acontece que, ao parar no acostamento, ameaçando cruzar a pista, deu-nos a impressão de estar querendo fugir e aí....

-- Bem "seu Guarda" ...
-- Não tem farinha,! –
diz Eva, à porta do pequeno comércio e voltando ao carro.
-- É isso, "seu Guarda". Estamos procurando farinha, da boa, de aipim. ! Só que como o trânsito estava muito intenso, desisti de atravessara pista.
-- OK, OK, aqui estão seus documentos. Só que de outra vez atenda nossa sinalização.
-- Boa tarde "seu guarda". Ah! A propósito " seu guarda"... o senhor que sempre está aqui nesta região, não sabe onde podemos comprar uma farinha boa??
-- Na Mercearia da Dona Edilma, lá mesmo onde o senhor queria cruzar a pista.
Com a farinha comprada, cumprimentam , na passagem, os atentos vigilantes!
Cruzou.

Monday, June 18, 2007

Vau (17)

A CARTA

Amanheceu e...

-- Adam ...? Adam ...? acorda homem !! pára de resmungar.... sonhando besteiras, outra vez?!
-- hum ?? que preguiça !! que horas são ?
-- quase nove ! levanta dessa cama e sai de cima desses papéis!! -repreende Eva, enquanto abre a janela do quarto.
-- Passa as noites em claro... por falar em sonhos, lembra daquele teu sonho com um tal pássaro azul ? que até conversou contigo...? pássaros falantes, deus me livre !!
-- claro, claro, até já me tinha esquecido. você falou com aquela tal amiga lá da faculdade...?
-- Sol! Dr.ª Soltriana, professora de artes. Quer saber ? estudou até no exterior! ela mesmo, não conta nada. sabe o Tony? teu amigo Tony?! aquele impalamado !? !
-- sim, sim, o Tony ! Gostava de um "cisco de virilha" ... e como arrotava e peidava o cristão !!
-- pára de falar bobagens, Adam! pois esse tal é o namorado dela ! e Cleo, heim ?! ainda não apareceu !?
-- daqui a pouco ela chega, acalme-se. que tal um café...me faz um suco. acordei com sede. aproveita e me conta o que tua amiga disse sobre o meu sonho.
-- está numa folha de caderno... ela respondeu por escrito... depois... eu não estou gostando nada, nada, dessas ausências da Cleo, Adam ! um dia é a dor de cabeça, outro é a mãe doente...
-- ora, ora, Eva, essa moças são assim mesmo. sabe como é esta juventude de hoje em dia. contudo, Cleo é uma boa menina...
-- não defende, Adam, ! ultimamente tens defendido Cleo bastante. só para espiá-la no banheiro ? ora seu punhe...
-- está chegando ... Cleonice chegou... !!! -- alegra-se Adam ao abrir a janela do quarto, notando que a empregada desce de um automóvel.
-- ela vai me ouvir! !!
-- vá com calma, eva. ouça-a antes de qualquer atitude...
-- se continuar faltando assim querida, sou forçada a despedi-la. sua mãe que me desculpe mas... dormiu demais Cleo ?
-- ao contrário, dona Eva.... de menos. não sei mas... de uns tempos para cá, na tpm, venho sentindo cólicas muito fortes e... a cabeça então... dores terríveis!! já me disseram que é enxaqueca...
-- bom dia Cleonice !
-- ah ! tio Adam.. Ângelo mandou dizer-lhe que no retorno do trabalho, à noite, passará aqui para ...
-- então era o Ângelo naquele carro ?
-- não, não, ontem quando ele...
-- vá à padaria Cleo. traga pães, leite... - interrompe Eva, impaciente.
-- e o jornal; traga-me o jornal- completa Adam.
-- Algo mais? Não me demoro.
Durante o café, Adam mantém os olhos nas manchetes do jornal preferido: " novo porto " é a principal. O texto o deixa indignado.
Com efeito, provocado por um experiente jornalista acerca de uma eventual recandidatura à prefeitura do município , o jovem político declina do pleito em favor de " preocupações maiores" com as obras prometidas ainda durante a sua recém vitoriosa campanha eleitoral e se declara favorável, dentre outras, a: "..... construção de hidrelétrica do rio C. e a novo porto marítimo na baía B."
--" primeiro poluíram e agora querem globalizar a baía ... e ainda vão acabar com as quedas d'água e as nascentes do rio..." - murmura o introspectivo Adam.
-- aqui está o que Sol escreveu sobre o teu sonho. -- intervém Eva, já de café tomado.
-- outra coisa, estou indo ao cabeleireiro e depois passo no supermercado. não me espere para o almoço..... divirta-se ! ou melhor , divirtam-se !!
A carta, escrita à mão:
Querida amiga, meu mestre Juan Manuel ensinou-me assim:
alado es un símbolo de espiritualización, ya para los egípcios. la tradición hindú dice que los pájaros representan los estados superiores del ser. en un texto de las upanishads se lee: <<>>
" según loeffler, el pájaro, com el pez, era en su origen un símbolo fálico, pero dotado de poder ascendente (sublimacíon y espiritualización). en los cuentos de hadas se encuentran muchos pájaros que hablan y cantan, simbolizando los anhelos amorosos, igual que las flechas y los vientecillos. también pueden ser los pájaros amantes metamorfoseados."
especificamente sobre a cor, ouvi isto:
" el color del pájaro determina un sentido secundário de su simbolismo. el pájaro azul es considerado por bachelard como <<>>, es decir como pura asociación de ideas, pero a nuestro juicio, aunque su origen fuera éste, su finalidad es otra : constituir un simbolo del imposible. como la misma rosa azul. en alquimia, los pájaros son las fuerzas en actividad ....." e vai por aí afora.
olha eva, por ora e numa preliminar -- e preliminar é sempre bem vinda , não é mesmo ? -- te digo querida que tem alguem por aí olhando por ou de cima. Proteja-se amiga !!
Conseguindo algo mais sobre o assunto, te mando.
beijos, da amiga
SOL .
Adam terminou a leitura intrigado e com a cabeça repleta de indagações. Nas nuvens !! Ou perto delas, ... como um pássaro !?!
Quem estaria olhando de cima ? Produção do movimento aéreo ? Azul ? Lógico... a Terra em movimento e , vista de cima é azul... então... será que é isso !?
"-- Mas então o que tio Gabriel queria dizer com ...<< mulher é tudo igual , igual a um laço, e seu coração uma rede, e suas mãos, cadeias. Aquele que é agradável a Deus lhe escapa, mas o pecador será preso por ela...."Lembrou ele. "... Não foi à toa que titio fora eleito Presidente da Assembléia. Tio Gabriel era um grande sujeito. E conhecia tudo sobre o sexo feminino." E continuou com seus pensamentos:
"-- Agora começo a entender tudo. <<>> <<>>. <<>> Então é isso !