Friday, December 22, 2006

GATOS PARDOS ( 7 )

-- Tenho outras histórias senhor... – interrompe a mulher, claramente desinteressada na continuação do pretenso ensinamento. Ouça esta:

LEI ATÁVICA

Mesmo com o frio da semana passada, na terça convidei o Zyg para outro passeio à ilha.
-- " À vela, ou a remo ? perguntou-me com fina ironia, sabendo de antemão o horário de saída do ônibus.
Sem alternativa, embarcou calado e calado se quedou até receber, na nuca, remessas certeiras de tossidas úmidas lançadas pela ansiosa passageira do banco de trás.
--" Mereço! - resmungou resignado.
Inquietou-se aos primeiros sinais de desconforto da filha do casal que ocupava os assentos à sua frente. Vômitos por tudo! O pai, como sempre o pai, claro, não conseguiu abrir a janela, emperrada pelo tempo.
Zygmunt não agüentou.
--" Sai dessa, homem!! , cutucou-me resolvido, antes de mudar de lugar. E acrescentou: " O Ibsen tinha razão quando escreveu a peça Peer Gynt. Deveria ser lida por todo mundo ."
Não li ainda. Além dessa escreveu muitas outras, constatei depois.
Ibsen, ou melhor. Henrik Ibsen, norueguês nascido no ano de 1828, dava muita importância à sua ascendência: dinamarquesa, escocesa, e alemã.
O visconde de Colleville e Fritz de Sepelin, em documentário sobre o dramaturgo, afirmam que " Ibsen não tem um gota de sangue norueguês nas veias e que, de acordo com a lei atávica, a influência das mulheres sob o ponto de vista intelectual se fez sentir particularmente para ele."
"No que diz respeito aos ataques de que você é objeto, -- escreveu Ibsen a um crítico e combativo amigo, numa carta de abril de 1872, -- das mentiras, das calúnias, etc., vou dar-lhe um conselho que por experiência própria sei ser bom. Tome uma atitude arrogante, é a única arma que se deva usar em semelhante caso. Olhe firme para a frente, não deixe supor que uma palavra de seus inimigos possa feri-lo. Numa palavra faça como se ignorasse a existência de seus adversários . Crê que seus ataques tenham força de vida? Antigamente, quando eu lia , pela manhã, algum violento artigo contra mim, a mim mesmo dizia: sou um homem liquidado, jamais me poderei reerguer! E a-pesar- disso me reergui; ninguém mais se lembra do que então se escreveu, eu mesmo faz muito tempo que o esqueci. Assim pois não caia na vulgaridade de se defender. Comece uma nova série de conferências, tenha uma calma e um sangue frio irritante, um desdém alegre por tudo que oscila e ameaça ruína em torno de você. Acredita que as coisas carcomidas possam resistir?"
-- " Sei lá ??!! – ouvi da moça, que deduzi estudante de biologia marinha pela bolsa que carregava, sentada ao meu lado, desinteressada, mesmo sem ser perguntada.
Quem sabe?!



GATOS PARDOS ( 8 )

A lealdade

Odaw Dorra bebia demais, era vadio e meio doido. Morava com a mãe, a viuva Condessa Catharina, a Tagarela, num velho castelo , quase a cair, até que a rainha do país vizinho , bem intencionada, contam, doou-lhes um novo, pré-fabricado.
Dúvidas!
Certo dia, logo, quando se avizinhavam as eleições proporcionais no principado, Hoajub , cabo eleitoral experimentado e matreiro, espertamente, no meio da noite, afixou um painel de propaganda política de seu candidato, defronte ao novo castelo, espalhando à vizinhança , falsamente, a notícia: " Doei-lhes o imóvel em troca do voto!"
-- E depois da eleição vem a tinta, a louça do banheiro, os lustres...e mais, os dois serão nossos convidados especiais para a festa da posse!!
Convite para posse? Não, não! Dorra conhecia perfeitamente o comportamento da maioria dos políticos: só lembram do eleitor até sua eleição!
Arruinados, mãe e filho até gostaram da idéia da placa. Simpatizavam com aquele político, da ala dos "autênticos" do partido, sempre votado pelo falecido marido e pai, o Conde Leon, esquerdista convicto que, quando provocado, não se cansava de afirmar:
" Voto num cachorro mas não voto em candidato de outro partido",
Inteirada de tudo, a rainha doadora mandou-lhes um recado duro:
" Se não sumissem com aquele painel, mandaria destruir o novo castelo ! Ele me pertence. Retirem essa propaganda ou, do contrário...!"
Blefe? Chantagem? Ou a sandice prevalecendo à razão?
Fincaram o pé ! não trairiam o falecido, jamais!
-- Pois que destruam o castelo! ainda temos vergonha na cara. O painel fica, ora pois !! – responderam com convicção.
E ficou, até que dias depois...
-- Um homem baixinho, todo engravatado, dizendo-se Juiz, entrou aí e a levou! - relatou sucinta e apressadamente a moradora vizinha à rainha, perguntada sobre o desaparecimento da placa.
-- Invasão de domicílio; arrombaram o portão, olhe! – constatou a velha senhora, de regresso ao lar, no início da manhã, após uma noite inteira de arruaça.
-- Isso não ficará assim – esperneou Dorra contrariado, ao ser acordado com a notícia – sou analfabeto mas não sou burro!
Clamaram e reclamaram, verbalmente. Sem êxito, apelaram, então, ao advogado amigo que registrou petição:
"... abertura de processo investigatório para apurar abuso do poder de autoridade."
Decisão: "...a colocação de propaganda eleitoral em bens particulares é submissa, com liberdade relativa. Ou seja, haverá de se amoldar aos preceitos de higiene e estética urbana, assistindo ao Poder Público o direito de agir, inclusive sendo lícita a retirada do material publicitário."
Liberdade relativa, voto duvidoso!
O candidato foi eleito sem os votos deles. A mãe, não era eleitora e o filho, embriagado no dia da eleição, não votou.
Depois da morte da mãe, desolado, ele vendeu tudo. Isolou-se com um amigo, o cachorro nomeado atrevido, numa ilha.
Detesto voto obrigatório!

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